Por João Paulo K. Forster
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo o exame das decisões judiciais a partir do que se largamente compreende por realismo jurídico norte-americano. Primeiramente, cabe observar justamente as limitações acerca da compreensão de tal perspectiva como uma ‘escola’ ou ‘movimento’, pois carece de uniformidade. No entanto, a partir desse grupo de ideias, permite-se o resgate da chamada Prediction Theory, cunhada por Oliver Wendell Holmes, que oferece compreensão bastante diferenciada de como se desenvolve a atividade judicial e seus meandros, nem sempre considerados, de subjetividade da atuação do magistrado. Tal característica, que não pode ser sonegada, lhe confere humanidade. Ao fim, propõe-se a análise do tema a partir da ótica da contratransferência, ou seja, não só pensada como o julgador decidirá o caso e afetará as partes, mas também como os elementos peculiares de cada demanda o afetam.
Palavras-chave: Juiz; Decisão; Subjetividade; Realismo Jurídico; Contratransferência.
ABSTRACT
The present study aims the examination of judicial decisions from what is widely comprehended by north american legal realism. Firstly, it is necessary to observe the limitations of such perspective as a ‘school’ or ‘movement’, since it lacks uniformity. However, starting from this group of ideas, the rescue of the so called Prediction Theory is made possible, as it was conceived by Oliver Wendell Holmes, offering a peculiar understanding of the development of the judicial activity and its meanders, not always taken in consideration, regarding the performance of the judge. Such characteristic that cannot be denied, bestows humanity upon the procedure. In final, it is purposed the analysis of the subject from the view of the countertransference, in other words, thought not only from the perspective of how the decision affects the suitors, but also how the peculiar details of each process affect the magistrate.
Keywords: Judge; Decision; Subjectivity; Legal Realism; Countertransference.
1 INTRODUÇÃO
O papel desempenhado pelo Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito é de extrema importância. A ele recorrem todos aqueles que encontraram resistência ao reconhecimento de seus direitos, e a ele cabe, inegavelmente, a função de pacificação social. Contudo, em um contexto moderno, também não se afasta o necessário reconhecimento da individualidade humana. Questiona-se: existe espaço para o exercício de tal singularidade também no âmbito das decisões judiciais? E, caso positivo, qual seria seu limite?
Não há resposta fácil para tais questões, se é que, de fato, existe uma resposta correta a ser dada em tal seara. A análise realidade da prática judicial[1] evidencia a existência de uma multiplicidade de decisões diversas para casos muitas vezes idênticos. Não se pretende, aqui, aprofundar o tema das respostas corretas em Direito, questão, aliás, de extrema relevância e que encontrou no debate entre Ronald Dworkin e Richard Posner[2] um profícuo campo de possibilidades.
Contudo, não se nega que a matéria tem vívida conexão com a subjetividade judicial, pois há de se reconhecer, no trabalho de Dworkin, o esforço para “limitar a discrição e resolver o problema de longa data de balanceamento dos irreconciliáveis conceitos de flexibilidade e restrição judicial.”[3]
Assim, a proposta do presente artigo é de analisar a atualidade do subjetivismo na atuação judicial, especialmente a partir dos estudos de longa data dos chamados realistas norte-americanos, com o cuidado que o emprego do termo merece, pois, como bem registra Karl Llewllyn[4]:
There is no school of realists. There is no likelihood that there will be such a school. There is no group with an official or accepted, or even with an emerging creed. There is no abnegation of independent striking out. We hope that there may never be. New recruits acquire tools and stimulus, not masters, nor over-mastering ideas. Old recruits diverge in interests from each other. They are related, says Frank, only in their negations, and in their skepticisms, and in their curiosity.
Diante de tal advertência, há de se estabelecer as bases do que se entende por realismo, resgatando a prediction theory de Oliver Wendell Holmes, demonstrando sua atualidade e relevância.[5] Em seguida, o tema será desenvolvido a partir do necessário reconhecimento da individualidade do julgador e das consequências de tanto.
2 REALISMO JURÍDICO E PREDICTION THEORY
A Prediction Theory está intimamente associada ao realismo jurídico. Não poderia ser diferente, uma vez que Holmes lançou as bases fundamentais, nos Estados Unidos, da Prediction Theory, que inspirou todos os realistas.[6] A primeira se funda, essencialmente, na sentença “The prophecies of what courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what I mean by the law.”[7] Para chegar à tal assertiva, Holmes pensa no paradigma do homem mau. O homem mau, diz ele, pouco se importa com axiomas ou deduções, raciocínios intrincados e na concepção do direito como um fenômeno quase incompreensível. O que procura é a resposta do que os tribunais tendem a fazer de fato.[8]
Esse entendimento ocasiona o reforço da noção de subjetividade defendida por diversos dos assim chamados “realistas”, por conferir relevância à figura individual de cada julgador. Há quem defenda, no entanto, uma leitura diferente. Moskowitz sustenta que Holmes nunca quis basear essa previsão das decisões judiciais em outra coisa que não a lei preexistente.[9] Essa perspectiva acaba por censurar também todos os realistas, que associam a atividade judicial com alto grau de subjetividade. Outra passagem de Holmes que também foi amplamente utilizada pelos realistas é o entendimento de que “the life of the law has not been logic, it has been experience.”[10]
Muito embora o “movimento” realista (se pode chegar a tanto) não possua uma identidade única, nem uma representação clara de sua proposta, é possível determinar o seu espírito de maneira mais ou menos uniforme. Da percepção extrema de que o que juiz coma no café da manhã[11] ou sua predileção por “loiras altas”[12] possa afetar sua decisão, até à percepção mais distinta do que vem, realmente, a ser a função judicial enquanto ciência[13], há de se reconhecer que o grande mérito dos realistas foi discutir a humanização de tal cargo.
Talvez tenha sido essa dimensão a mais relevante no caso Riggs v. Palmer, também conhecido como o “Caso Elmer”[14]. Como poderiam os julgadores simplesmente assentir com a literal disposição do texto legal e permitir que o neto que assassinou o avô, nos idos de 1882, pudesse herdar quaisquer valores deixados na via de um testamento que possivelmente seria alterado, e que motivou tal ato? O juiz Gray votou a favor de Elmer, adotando uma intepretação literal da lei, hoje já bem menos popular.[15] O juiz Earl, no voto que findou por representar a maioria, adotou a interpretação da real intenção do legislador.[16]
Ao contrário do sistema estabelecido na França pós-revolucionária[17], o juiz Earl tinha total liberdade no ato interpretativo. Na realidade, sua visão representou o que ele acreditava ser a vontade do legislador, e buscou a conclusão de que seria inadmissível, como hodiernamente se percebe, que alguém cometeu homicídio não pode ser o destinatário da herança resultante. Tal permissividade seria absurda, e a lei necessita ser interpretada em conjunto com o sistema no qual se acha inserida, por ser parte de um todo intelectual maior, a não ser que indicasse expressamente o contrário (que homicidas podem receber a herança advinda de tal ato).[18]
O comportamento dos juízes, portanto, torna-se fundamental em um sistema no qual se valorize essa individualidade. E é esse seu comportamento que os caracteriza como magistrados – a forma como se relacionam com as partes, com outras pessoas, com seus predecessores e eventuais sucessores.[19]
Enfim, a melhor síntese do que vem a ser o realismo é oferecida por Pound, assinalando que se deve reconhecer “a existência de um elemento alógico, irracional e subjetivo na atitude judicial”[20], o que leva à necessidade examinar as “instâncias concretas de sua operação para alcançar conclusões gerais dos tipos de casos em que se verifica com maior frequência”, e “onde se realiza da forma mais efetiva ou desafortunada para a finalidade da ordem legal.”[21]
Não se defende aqui a permissividade de um sistema jurídico no qual as excentricidades de cada julgador prevaleçam e decidam os casos, muito embora alguns realistas adotem esse caminho.[22] O realismo ganha em espaço e relevância como uma das tantas teorias que abordam a decisão judicial, mas não esgota o fenômeno, nem pode resultar em carta branca ao arbítrio judicial.
Também ganha força, nesse ponto, o tema da interpretação jurídica, que se admita existente uma multiplicidade de técnicas interpretativas, aplicáveis a diferentes situações, e com diferentes resultados, mesmo quando ocorre a aplicação da mesma regra interpretativa.[23] De outra banda, o interesse que se tem pela interpretação ganha força quando se está diante de um intérprete (o juiz) cujo resultado intelectivo não é só um simples resultado de “exercício interpretativo”, mas verdadeira decisão vinculante às partes envolvidas. Nessa quadra, quanto maior o número de partes envolvidas e, portanto, quanto mais alta a instância jurisdicional, maior interesse acarreta esse processo interpretativo. A complexidade do ato decisório não só está vinculada à dificuldade envolvida em todo e qualquer processo de escolha, mas também porque se trata de uma opção de autoridade. Em outras palavras, a escolha operada pelo julgador é processo decisório complexo, pois deve ponderar não somente no que previamente ocorreu como sobre o que se passará após sua decisão, vinculadora das partes.
3 CRÍTICAS À PREDICTION THEORY
A crítica[24] direcionada à Prediction Theory, em sua forma original, parece atacar só sua forma mais crua, de que se comporia de “proposições de probabilidade, e nada mais do que isso, sobre o que os juízes, ou outros funcionários relevantes, vão fazer.”[25] A censura se funda na suposição de que a teoria “desaba pela simples razão de que ela não pode fazer nenhum sentido diante da maneira como um juiz raciocina”.[26]
Aqui se denota um verdadeiro entrelaçamento entre o realismo e a Prediction Theory, afinal, a crítica se funda no fato de que a função judicial, dado o seu caráter eminentemente subjetivo, é imprevisível. Admitir o cabimento de tal assertiva é o mesmo que sonegar a necessidade da existência, em qualquer ordenamento, do componente fundamental da segurança jurídica. É absurdo imaginar que toda e qualquer decisão judicial não é passível de determinação probabilística de seu deslinde, em algum grau. Ou ao menos a indicação de algum tipo de tendência.
Em grandes linhas, é razoavelmente possível determinar o resultado de um julgamento. Sabe-se, por exemplo, que a Suprema Corte norte-americana tem característica mais conservadora, que a Justiça do Trabalho no Brasil tende a ser mais protetiva do empregado do que do empregador, e que o Judiciário gaúcho é reconhecidamente inovador em suas teses.
É evidente, de outro lado, que não se pode determinar com absoluto grau de certeza o resultado de um julgamento, e isso faz parte da própria natureza da função judicial. Some-se a isto, também, os casos nos quais não haja qualquer decisão, nem remotamente similar, anterior.[27] Por exemplo, o caso decidido, em 12.04.2012, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, que visava a declaração de inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seja conduta tipificada no Código Penal. A ação foi julgada procedente, por maioria[28], mas o resultado era de fato imprevisível.
Certamente, o mérito de tal teoria reside na humanização da função judicial, e não em que seja entendida como uma ciência exata que, aplicada, e de posse de certos dados, fornecerá o resultado final do julgamento. Sua intenção é exatamente o oposto: a de que se perceba a riqueza de possibilidades inerente à grande maioria dos casos, não conferindo poder discricionário absoluto ao magistrado, mas auxiliando na composição do sistema judiciário, tanto na perspectiva da segurança jurídica como no ato decisório propriamente dito.
Mas não só isto. Existem outras qualidades atribuíveis à teoria, como a possibilidade de atualização dos precedentes que devem prevalecer, o que é particularmente importante no sistema da Common Law. Ou seja, se um caso foi julgado há muitos anos pela Suprema Corte, e nunca alterado ou revisto, uma corte inferior poderia, pela Prediction, decidir de forma diversa, se o magistrado acreditar que, hoje, a mesma matéria seria decidida de forma diversa, o que provoca, também, um novo enfrentamento do tema por tal tribunal superior.[29] Tantas outras qualidades podem ser reconhecidas[30], contanto que não se sucumba ao erro de adotar a Prediction Theory como visão única do fenômeno jurídico, nem de levá-la às últimas consequências da subjetividade decisória.
4 O PAPEL DO MAGISTRADO E SUA HUMANIDADE
A importância conferida ao princípio da dignidade da pessoa humana em nosso ordenamento é de grande monta. Repetidamente se afirma que tal é o princípio vetor da Constituição brasileira, e de que há de ser reconhecido um verdadeiro núcleo duro, irremovível e não passível de retrocesso em sua substância, constituindo, portanto, um “mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar”[31]. Dada sua amplitude, não se nega que também abrange os julgadores[32], o implica necessário reconhecimento da humanização[33] da função judicial. É claro que os contornos do realismo conforme proposto, e da própria Prediction Theory, revelam-se tremendamente sedutores nesse contexto.
O receio existente por detrás da admissão da existência de subjetividade nas decisões judiciais é de que as mesmas redundem em completo arbítrio.[34] A solução adequada encontra-se na exigência de pleno cumprimento, pelos magistrados, do dever de motivação das decisões judiciais, conforme exigido pelo artigo 93, IX, da Constituição Federal.[35]
De nada adianta, contudo, sonegar-se ao julgador o reconhecimento de sua dimensão humana. Como bem já advertiu Lloyd Weinreb:
O requisito de que o direito seja demonstrável (ou verificável) e determinado não pode ser nem um padrão pelo qual se mede o Estado de Direito em um programa pelo qual o Estado de Direito será alcançado. A racionalidade não exige tanto. O esforço para proceder por meio de normas impõe apenas que as normas, incluindo aí sua área de aplicação, sejam enunciadas de modo tão claro quanto lhes permitam os assuntos a que se referem, e que as pessoas encarregadas de aplicar as normas tentem cuidadosamente ser fiéis aos termos destas, dispondo da experiência e da instrução necessárias para tanto. Tal esforço exige a honestidade dos homens públicos, não a eliminação do juízo humano.[36]
E conclui, com precisão:
Não há nenhuma garantia de que uma norma jurídica será aplicada corretamente. A intervenção do juízo humano permite que uma decisão se dê de maneira equivocada, insensata, tendenciosa ou perversa. O espaço para o juízo humano abre caminho para todos os erros que os seres humanos são capazes de cometer.[37]
As garantias[38] da magistratura[39] e a imparcialidade[40] que delas resulta visam minimizar a possibilidade de erro na perspectiva da arbitrariedade. Essa imparcialidade também está associada ao próprio rito judiciário[41] que, em sua construção atual, visa prevenir arbitrariedades e a sujeição das partes a decisões que não possam compreender.
Essas garantias são indispensáveis ao adequado desempenho da atividade judicial. Ainda que se adotasse, na perspectiva de Rawls, o “véu da ignorância”[42], para determinar uma “situação inicial de equidade”[43], com acesso à informações gerais necessárias e presumida a racionalidade das partes envolvidas,[44] a partir da qual seriam definidos “os princípios que governarão nossa vida coletiva”[45], certamente seriam previstas as mesmas medidas. O indivíduo que desconhece seu lugar na sociedade, sua posição social ou status, nem o resultado na distribuição de habilidades e recursos naturais, que desconhece sua real força e inteligência[46], não deseja ser julgado por um juiz parcial, nem deseja se submeter à arbitrariedade de qualquer sorte.
A possibilidade de erro é inerente à conduta humana, e mesmo o pensamento racional pode ser falho. Afastar a condição humana também da função judicial é remover do direito seu caráter fundamental e ignorar, por completo, a importância desempenhada pelo princípio da dignidade da pessoa humana. “A confiança na capacidade humana”, registra Weinreb, é “o caminho mais seguro e menos traiçoeiro para uma ordem social justa.”[47]
5 RELEVÂNCIA DA RACIONALIDADE NA ATUAÇÃO JURISDICIONAL
É de alta relevância ponderar que as decisões judiciais não podem estar eivadas de pura subjetividade, sob pena de plena arbitrariedade. Afinal, a motivação constitui o espaço no qual se manifesta o juiz acerca não só das suas conclusões, mas da razão das opções sobre as provas escolhidas como corretas ou incorretas. É manifesta a necessidade de o julgador recorrer às ferramentas racionais disponíveis, porque o Direito tem de ser encarado como ciência, com nível mínimo de exigência e rigor lógico. Afinal, nosso sistema “não poderia se definir como racional se não é capaz de produzir decisões judiciárias de qualquer modo definíveis como racionais.”[48] Sobre a racionalidade da decisão, a observação de Taruffo é muito oportuna:
Antes de mais nada, observa-se que a racionalidade da decisão não pressupõe o convencimento acerca da existência de uma razão unívoca e imutável, de verdade absoluta ou de ordem metafísica. Pode-se, ao invés disso, discutir validamente a racionalidade e o controle a propósito das decisões judiciais desde a premissa relativística sobre a polissemia e indeterminação do termo “racionalidade”, também naquelas suas possíveis aplicações em contexto jurídico, tendo em vista a natureza inevitavelmente cultural, teórica e contextual do problema e das perspectivas das quais isso pode ser analisado. De fato, podem-se juntar fatores ulteriores de relatividade dependentes do fato de que, dentro de um único ordenamento, haja controle sobre a racionalidade das decisões judiciais que possa configurar diversas modalidades, e que a análise comparativa individue uma pluralidade de modelos de juiz, de processo, de decisões judiciais e de formas de controle sobre elas. A percepção da relatividade e variabilidade do objeto da análise, e da multiplicidade das perspectivas das quais isto pode ser visto, não pode acarretar, todavia, à afasia do excesso de detalhes e variações.[49]
Como muito bem afirmou Taruffo, na passagem acima, a racionalidade da decisão não pressupõe que aquela interpretação seja unívoca, imutável, de tintas metafísicas. Talvez a ideia de racionalizar a decisão judicial na última potência, conspurcando aqueles provimentos eivados de maior pessoalidade da figura decisória, esteja fortemente atrelada ao fenômeno cientificista, que só tem por verdade aquilo que é ciência exata. O Poder Judiciário não é um grande laboratório, no qual os processos são experiências que, repetidas à exaustão, devem replicar resultados em condições semelhantes.
Realizadas as considerações acerca do realismo, portanto, impende ponderar que o amparo da decisão na racionalidade deve valer-se do reconhecimento do aspecto pessoal da mesma[50], uma vez que os juízes, como outros tomadores de decisão, nunca agem com racionalidade absoluta.[51] Talvez a raiz do problema esteja em aliar a ideia de pessoalidade ou subjetividade à caracterização de “descontrole”, como se somente a racionalidade pura, matemática, pudesse ser alvo de controle externo ou, ainda, de ingrediente “ilógico” na decisão e, portanto, arredio ao controle externo.
Torna-se importante o reconhecimento da atividade judicial como eminentemente humana, e não mecânica, não sendo exigível do magistrado uma neutralidade em relação a sua própria pessoa, a sua experiência, sendo “absolutamente natural que decida de acordo com seus princípios éticos, religiosos, filosóficos, políticos e culturais, advindos de sua formação como pessoa.”[52] É desejável que essas pessoas tenham uma experiência rica de vida, pois a sabedoria necessária para o julgamento não é bem obtido de uma vez só, mas construído ao longo de uma vida.
A racionalização, portanto, deve se dar sob a ótica de “tornar compreensível” a decisão tomada. É a exposição lógica e sequencial do enfrentamento, pelo juiz, da demanda perante ele proposta; levando ele em consideração a decomposição necessária de sua obrigação de fundamentar em motivos e fundamentos, não se furtando a expor a completude de seu pensamento, o que não se opõe, necessariamente, à questão do realismo, mas estabelece com mais clareza os lindes a serem respeitados para a decisão judicial.
6 A IMPORTÂNCIA DA CONTRATRANSFERÊNCIA NA ATIVIDADE JUDICIAL
Na perspectiva do reconhecimento da humanização do cargo, há ponto digno de nota: o da relação do juiz com as partes. Muito se preocupa com a questão da suspeição ou impedimento do magistrado[53], sem que se detenha no ponto particular de como esse julgador pode perceber sua relação com as partes. Ou seja, ainda que não possua relação de amizade prévia, ou interesse direto na demanda em questão, o magistrado pode ser afetado por pontos muito mais delicados e geralmente imperceptíveis pelas partes. Essa particularidade pode ser denominada como contratransferência na atividade judicial.[54]
O conceito é afeito primordialmente à Psicanálise. Nessa área, a transferência é o meio pelo qual o paciente projeta alguns de seus sentimentos e pensamentos no psicanalista, em alguns casos vindo a relacionar-se com ele, ainda que de forma inconsciente, como se ele próprio fosse o causador daquela angústia, raiva etc.[55] A contratransferência será a relação oposta[56]: como o psicanalista trata o seu paciente, que tipo de sentimentos possui em relação a ele.[57] Nesse âmbito, é importante destacar que, na relação entre juiz/parte, o sentimento do julgador é irrelevante no sentido de qual impacto terá nos sentimentos e emoções da parte, diferentemente do que se verifica nas relações entre terapeuta e paciente.[58]
A importância é de como essa relação afetará a decisão judicial, esta sim de consequências efetivas para a parte dignas de indagação. O que se quer dizer é que a forma de como se estabelece essa relação não pode ser determinante para o julgamento. Esse é um dos riscos possíveis de uma aceitação irrestrita do realismo jurídico, ou ao menos de suas leituras mais modernas.[59] No entanto, cabe ressaltar que o risco existe[60], independentemente do julgador sequer conhecer o que vem a ser o realismo jurídico.
Admitindo-se a existência de tal elemento, ou de que ele sequer possa vir a afetar a decisão, cabe atribuir ao magistrado o ônus de um autoexame, particularmente em casos de maior dimensão humana e com maior contato com as partes (como em matéria de direito de família, por exemplo), para que verifique a origem de seu julgamento, se houve influência em decorrência de algum sentimento específico em relação à parte, e se isso foi determinante para o resultado da lide. Essa melhor compreensão dos atos, pelo juiz, pode relevar-se uma salvaguarda contra arbitrariedades que fogem de sua percepção justamente por não perceber que está sujeito à essa eventualidade.
7 CONCLUSÃO
Há excessos e retrocessos nas diferentes perspectivas que compõem o realismo jurídico. Mas algumas propostas, ou espírito por trás dela, tem seus méritos. Não se pode imaginar que todo ato judicial redunde, ao fim e ao cabo, em simples arbitrariedade. Os magistrados estão sujeitos a uma série de restrições, e uma bastante simples e de ordem prática é esta: eles também desejam respeito, e sabem que não lograrão êxito se agirem de forma integralmente discricionária e injustificada.[61]
O mérito reside em outro ponto. Retornando à base do realismo jurídico norte-americano, a Prediction Theory, percebe-se que ela foi abandonada “cedo demais.”[62] A valorização do aspecto humano da função judicial auxilia e confere maior qualidade aos julgamentos. [63] Os casos propostos perante o Poder Judiciário envolvem, sempre, ao fim e ao cabo, questões humanas, subjetivas, que merecem ponderação diferenciada. Em alguns casos, quando a Lei é clara ou não permite, expressamente, determinada interpretação, reduz-se o espaço de movimentação. Mas, em tantos outros, por que se insiste em negar a ideia de um “modelo livre”[64] de juiz, como referem os realistas? Cabe admitir que ele já se encontra instalado em nosso sistema judiciário.[65]
Esse reconhecimento é que permitirá o aprofundamento de diversas categorias interpretativas. Não se pretende explicar de maneira simplista o fenômeno jurídico. Parece claro que o Direito seja complexo demais para ser apreendido sob apenas um viés – como fenômeno cultural que é, e, portanto, humano, ele é tão complexo quanto seus criadores quanto a individualidade de cada um dos seres que o compõem. Tentar desenhar o fiel retrato do que os julgadores farão de fato não esgota a ciência do Direito.[66]
Não é à toa que diversos juristas, depois de Holmes, tentaram atribuir à Prediction Theory outros significados. Como referido, ela é extremamente sedutora e não se deixa de admitir que esse papel – o da previsão – seja aquele esperado de todos os advogados, quando consultados.[67] Ou seja, a teoria é aplicável, ainda que com restrições, e detém o mérito de reconhecer a atividade judicial como humana, sujeita a erros. A perspectiva estritamente racionalista, quase matemática, de tal função, torna estéril a atividade judicial. Compreendendo um pouco melhor quem está por trás da toga certamente auxilia a compor um quadro mais rico e compreensível do ato de julgar[68], jamais dissociado dos deveres e garantias inerentes, que resguardam os indivíduos das possíveis arbitrariedades resultantes de quem mal compreenda a humanização do cargo.
Nessa quadra, como brevemente se destacou, a contratransferência, um conceito inerente à Psicologia[69], auxilia na percepção que o próprio magistrado deve ter de como decide o caso. Se se entende que a subjetividade apresenta relevância, não se pode afastar por completo as consequências que a relação estabelecida entre juiz e partes. Esqueça-se uma possível predileção por “loiras altas”, e se pense a situação a partir de características mais complexas que possam acarretar a ocorrência de uma identificação[70] entre julgador e parte ou até mesmo a repulsa à conduta específica, por qualquer motivo seja. A percepção da existência dessa influência não pode ser determinante no deslinde processual, mas deve ser percebida, em tempo hábil, pelo próprio juiz, para que não seja carreado ao ato decisório elemento oculto às partes, que dele jamais deveria constar.
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[1] A análise do ato de julgar leva a questões extremamente complexas. Dignos de registro os questionamentos colocados por Hannah Arendt, já delineando a relevância da questão subjetiva na função judicante: “Há várias razões pelas quais a discussão do direito ou da capacidade de julgar incide na mais importante questão moral. Duas coisas estão implicadas nesse ponto: primeiro, como posso distinguir o certo do errado, se a maioria ou a totalidade do meu ambiente prejulgou a questão Quem sou eu para julgar? E, segundo, em que medida, se é que há alguma medida, podemos julgar acontecimentos ou ocorrências passados em que não estávamos presentes?” ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 81.
[2] O interessante debate se estabeleceu a partir da afirmação de Dworkin, ao registrar que, mesmo em casos difíceis e altamente complexos, existem respostas certas a serem fornecidas. Posner rebate afirmando que “Dworkin desafiou o ceticismo jurídico ao argumentar que há respostas certas até mesmo para as mais difíceis questões jurídicas”, apontando que o problema ultrapassa singelos exemplos literários e de que a real dificuldade reside na questão do legal fact finding, que não poderia ficar ao alvitre do julgador. POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 263 e seguintes. Análise aprofundada do tema é encontrada em FONSECA, Ana Carolina da Costa. Dworkin e Posner acerca da existência de respostas certas para questões jurídicas: a reconstrução de um debate. Veritas, Porto Alegre, vol. 56, n. 3, set./dez. 2011, p. 63-71.
[3] LYONS, Donna. Dworkin and judicial discretion: a critical analysis of the pre-existence thesis. Trinity College Law Review, Dublin, vol. 11, jan./dez. 2008, p. 12.
[4] LLEWLLYN, Karl N. Some realism about realism: responding to dean pound. Harvard Law Review, Cambridge, v. 44, p. 1233-1234, 1930/1931.
[5] POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 221.
[6] Karl Llewllyn afirma que todos os realistas iniciaram seus estudos sobre o direito a partir da definição de direito das “prophecies of what courts will do in fact.” LLEWLLYN, Karl N. On Reading and Using the Newer Jurisprudence. Columbia Law Review, Nova York, Vol. 40, 1940, p. 591.
[7] HOLMES, Oliver Wendell. The Path of the Law. Harvard Law Review, Cambridge, vol. 10, 1897, p. 461.
[8] Idem, ibid., p. 460/461. Refere o autor: “If you want to know the law and nothing else, you must look at it as a bad man, who cares only for the material consequences which such knowledge enables him to predict, not as a good one, who finds his reasons for conduct, whether inside the law or outside of it, in the vaguer sanctions of conscience. The theoretical importance of the distinction is no less, if you would reason on your subject aright. The law is full of phraseology drawn from morals, and by the mere force of language continually invites us to pass from one domain to the other without perceiving it, as we are sure to do unless we have the boundary constantly before our minds.” Idem, ibid., p. 459.
[9] MOSKOWITZ, David H. The Prediction Theory of Law. Temple Law Quarterly, Filadélfia, vol. 39, 1965-1966, p. 416.
[10] HOLMES, Oliver Wendell. The common law. In: FISHER III, William W.; HORWITZ, Morton J.; REED, Thomas A. (Orgs.). American legal realism. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 9. Como já referimos anteriormente, Holmes não se deteve na análise teórica do tema: enfrentou a questão em suas decisões, com destaque particular para o caso Lochner v. New York, registrando que “general propositions do not decide concrete cases” e que “every opinion tends to become law.” Novamente, tais assertivas reforçaram o ideário realista que viria a seguir.
[11] Defendiam, portanto, a inexistência de algo chamado “Direito”, apenas as previsões do que realmente ocorreria nos tribunais. DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge: The Bellknap Press of Harvard University Press, 1986, p. 36. Esse entendimento enfrentou dura crítica da ampla maioria dos realistas e não realistas, no sentido de que essas conclusões não passam de “horse manure”. KOZINSKI, Alex. What I ate for breakfast and other mysteries of judicial decision making. In: O’BRIEN, David. Judges o judging: views from the Bench. 3. ed. Washington, D.C.: CQ Press, 2009. p. 98.
[12] GUEST, Stepehn. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 118.
[13] Especialmente na perspectiva de Jerome Frank. Para ele, o juiz não analisa a “asa de um mosquito ou um cometa familiar (…), mas situações históricas humanas” que precisam sempre sofrer um juízo de valor. FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 155.
[14] Riggs v. Palmer, 115 N.Y. 506 (1889). Disponível em: <http://www.courts.state.ny.us/reporter/archives/ riggs_palmer.htm>. Acesso em 10.06.2013.
[15] DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge: The Bellknap Press of Harvard University Press, 1986, p. 17/18.
[16] Idem, ibid., p. 18.
[17] Naquela sistemática, conforme o artigo 12 da Lei 16-24 de agosto de 1790, o julgador, deveria se dirigir “ao corpo legislativo todas as vezes que entenderem necessário, seja para interpretar uma lei, seja para elaborar uma nova.” Tornou-se, portanto, o legislador, o único intérprete autêntico do direito. CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa. Milano: Giuffrè Editore, 2005. v. 2. p. 418.
[18] DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge: The Bellknap Press of Harvard University Press, 1986 , p. 19/20. Há de se registrar a perspectiva oposta percebida no caso Tenessee Valley Authority v. Hill, no qual se permitiu a interrupção das obras para construção de uma represa colossal para suposta proteção do peixe chamado snail darter, que sequer seria uma espécie ameaçada, protegida pelo Endangered Species Act.
[19] LLEWLLYN, Karl N. A realistic jurisprudence – the next step. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 58.
[20] POUND, Roscoe. The Call for a realistic jurisprudence. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 66.
[21] Idem, ibid., p. 66.
[22] Em particular, os chamados “neorrealistas”, afirmando que não existem nem regras, nem princípios ou doutrinas, porque, na prática, a ação judicial se refere a questões subjetivas e pouco se importa com tais construções. Idem, ibid., p. 64.
[23] “One judge looks at problems from the point of view of history, another from that of social utility, one is a formalist, another a latitudinariam, one is timorous of change, antoher dissatisfied with the present; out of the attrition of diverse minds there is beaten something which has a constancy and uniformity and average value greater than its component elements. The same thing is true of the work of juries.” CARDOZO, Benjamin. The nature of the judicial process. New York: Dover Publications, 2005, p. 173.
[24] Na realidade, existe uma pluralidade de críticas, algumas das quais antevistas e já previamente debatidas por Posner. Em um desses casos, ele apresenta a objeção de que os advogados e partes podem tentar entender como os juízes decidirão, mas os juízes eles próprios não podem decidir sobre o que é a lei pensando no que eles próprios decidirão, tornando o raciocínio deles circular. Posner propõe uma solução para esse dilema. Refere que isso só seria válido para os juízes das mais altas cortes de uma nação, como no caso do Supremo Tribunal Federal. Os Ministros do STF não conseguem olhar adiante de seus julgamentos e pensar como um Ministro além deles decidiria, pois esta figura não existe, já que a Corte Constitucional é a mais alta corte do país (muito embora eles pudessem pensar como seus predecessores decidiriam em casos similares). POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 224.
[25] GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 117. Nesse mesmo sentido: “The focus, the center of the law, is not merely what the judge does, in the impact of that doing on the interested layman, but what any state official does, officially (…).” LLEWLLYN, Karl N. A realistic jurisprudence – the next step. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 57.
[26] Idem, ibid., p. 118.
[27] POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 224.
[28] A favor: Min. Marco Aurélio Mello, Min. Rosa Weber, Min. Joaquim Barbosa, Min. Luiz Fux, Min. Carmen Lúcia, Min. Gilmar Mendes, Min. Celso de Mello. Contra: Min. Ricardo Lewandowski e Min. Cezar Peluso, impedido o Min. Dias Toffoli.
[29] POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 227.
[30] Idem, ibid., p. 225/228.
[31] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 19.
[32] Uma vez que não se nega serem os juízes humanos. FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 147.
[33] MELENDO, Santiago Sentís. Naturaleza de la prueba: la prueba es libertad. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 63, n. 462, abr. 1974, p. 11. O autor manifesta-se abertamente contra a ideia de mecanização da função judicial, que acarreta a desumanização do próprio julgador: “Encomendar a um homem a tremenda missão de julgar, e depois dizer-lhe como deve julgar, parece um paradoxo ou um sarcasmo; não é mecanizá-lo, ou automatizá-lo; é algo pior: é desumanizá-lo.” Idem, ibid., p. 12.
[34] Como bem pontua Weinreb, “o impulso de separar o direito da falibilidade do juízo humano tem uma longa história; surge da convicção (…) de que a noção mesma de direito, e com ela a de justiça, perde o significado, a menos que seja inequívoca.” WEINREB, Lloyd L. A Razão Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 125.
[35] “A tarefa da qual é incumbido o juiz não é só aquela de julgar, mas também de embasar, lastrear, enfim, fundamentar sua decisão” e “No ambiente democrático atual, obrigatoriamente qualquer decisão judicial deverá ser motivada.” FORSTER, João Paulo Kulczynski. O controle da decisão judicial e da fundamentação atrás da fundamentação. 2011, 215 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 73 e 77, respectivamente.
[36] WEINREB, Lloyd L. A Razão Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 123/124.
[37] Idem, ibid., p. 124.
[38] Referem-se, aqui, a previsão constitucional do art. 95, que assegura aos magistrados a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Sua meta é “resguardar a independência e a imparcialidade do juiz”. BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 4º Vol. Tomo III. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 69.
[39] Hoje vistas, na realidade, como uma garantia dos cidadãos. “A independência do juiz é, acima de tudo, um dever – um dever ético-social. A independência vocacional, ou seja, a decisão de cada juiz de, ao dizer o Direito, o fazer sempre esforçando por se manter alheio – e acima de influências exteriores é, assim, o seu punctum saliens. A independência, nessa perspectiva, é, sobretudo, uma responsabilidade.” PORTUGAL. Tribunal Constitucional. 2ª. Seção. Proc. n. 137/87. Relator Conselheiro Messias Bento.
[40] “Ademais, é com a imparcialidade que o magistrado adquire a objetividade necessária para o desempenho de sua função. Com essa ferramenta, ele se desprende de relações ou interesses pessoais em cada demanda, para que perceba não os interesses próprios em cada um dos casos que julga, mas quais são os interesses da sociedade.[40] Sem imparcialidade, não há justiça.” FORSTER, João Paulo Kulczynski. O controle da decisão judicial e da fundamentação atrás da fundamentação. 2011, 215 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 72.
[41] GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. p. 320-321.
[42] RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Bellknap Press of Harvard University Press, 1971, p. 136.
[43] SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p. 177.
[44] RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Bellknap Press of Harvard University Press, 1971, p. 142.
[45] Idem, ibid., p. 177/178.
[46] RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Bellknap Press of Harvard University Press, 1971, p. 137.
[47] WEINREB, Lloyd L. A Razão Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 135.
[48] TARUFFO, Michele. Il controlo di razionalitá della decisione fra logica, retorica e dialetica. REPRO, São paulo, v. 32, n. 143, p. 66, jan. 2007.
[49] Ibid., p. 68. Do original em italiano: “Anzitutto va osservato che la razionalità della decisione non pressuppone il convinciento circa l’esistenza di uma ragione univoca ed immutabile, di verità assolute o di un ordine metafisico. Si può invece discutere validamente di razionalità e controlli a proposito delle decisioni giudiziarie muovendo da premesse relativistiche circa la polisemia ed indeterminatezza del termine “razionalità”, anche nelle sue possibili applicazioni in contesti giuridici, e tenendo conto della natura inevitabilmente culture-, theory- e context-laden del problema e delle prospettive in cui esso può essere analizzato. Si possono anzi aggiungere ulteriori fattori di relatività dipendenti dal fatto che all’interno di un singolo ordinamento i controlli sulla razionalità delle decisioni giudiziarie possono configurarsi con modalità diverse, e che l’analisi comparastica individua una pluralità di modelli di giudice, di processo, di decisione giudiziaria e di forme di controllo su essa’ La consapevolezza della relatività e variabilità dell’oggetto dellanalisi, e della molteplicità delle prospettive da cui esso può essere visto, non può portare tuttavia all’afasia da eccesso di dettagli e di variazioni.”
[50] Taruffo assinala como um “erro substancial” a intenção de remover o raciocínio do juiz de seu contexto humano, de senso comum, colocando-o “como um simples esquema lógico colocado no vácuo”. TARUFFO, Michele. Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense,. 355, p. 103, 2001.
[51] VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 155.
[52] “É permitido ao juiz professar credo religioso e ter opção por corrente política ou filosófica. Não é motivo para afastamento do juiz por parcialidade o fato de ser conhecida sua opção política, filosófica ou religiosa.” Tudo cf. NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 351. Aqui subjaz bastante polêmica, já que aos juízes é defeso dedicar-se à atividade político partidária. Tênue linha se estabelece ao separar do que se trata tal “dedicação”, já que, geralmente, as manifestações de opção política se dão de forma bastante pública, poder-se-ia dizer “dedicada”, em comícios, atividades partidárias, etc. Essa vedação não vai sem razão; está constitucionalmente prevista, sendo considerável a influência que pode exercer sobre os desígnios judiciais, especialmente nos casos em que advoga contra qualquer esfera do Poder Público, que muitas vezes se confunde com o partido exercendo o mandato eletivo. A contrário senso, a forma como cada um professa sua fé, dificilmente de forma não pública e notória, certamente não ocasiona alteração do padrão da “neutralidade” exigível.
[53] Conforme a previsão legal dos artigos 134 e 135, do Código de Processo Civil.
[54] Perspectiva esta já defendida anteriormente em FORSTER, João Paulo Kulczynski. O controle da decisão judicial e da fundamentação atrás da fundamentação. 2011, 215 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 129-131.
[55] WINNICOTT, D. W. Da Pediatria à Psicanálise – Obras Escolhidas. Tradução de Davy Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago, 2000, p. 71.
[56] Trata-se, aqui, de simplificação do termo em caracteres geralmente aceitos, para melhor compreensão. Para aprofundamento e análise de outras visões sobre o conceito, vide RACKER, Heinrich. Transference and Countertransference. Nova York: Karnac, 2002, p. 133 e seguintes.
[57] WINNICOTT, D. W. Da Pediatria à Psicanálise – Obras Escolhidas. Tradução de Davy Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago, 2000, p. 105.
[58] HIRSCH, Irwin. Coasting in the countertransference. New York: The Analytic Press, 2008. p. 27.
[59] POUND, Roscoe. The Call for a realistic jurisprudence. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 64.
[60] A contratransferência, pondera Racker lembrando Freud, pode ser o “maior perigo e, ao mesmo tempo, uma ferramenta importante para compreensão, uma assistência para o analista na sua função enquanto intérprete.” RACKER, Heinrich. Transference and Countertransference. Nova York: Karnac, 2002, p. 127.
[61] KOZINSKI, Alex. What I ate for breakfast and other mysteries of judicial decision making. In: O’BRIEN, David. Judges o judging: views from the Bench. 3. ed. Washington, D.C.: CQ Press, 2009. p. 98.
[62] “(…) the prediction theory has been written off too soon.” POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 221.
[63] “A compreensão da função do juiz deve tentar captar a sua dimensão humana, entendimento este a ser conquistado tanto pelos jurisdicionados quanto pelo próprio magistrado, cujos olhos devem atentar para além de coeficientes de desempenho baseados em estatísticas meramente quantitativas, alcançando uma muito desejada mensuração qualitativa dos provimentos jurisdicionais.” FORSTER, João Paulo Kulczynski. O controle da decisão judicial e da fundamentação atrás da fundamentação. 2011, 215 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 175.
[64] Tão livre quanto o convencimento motivado permita, registre-se. “A motivação é a demonstração dos meandros do raciocínio do juiz, do início ao fim, quando analisou a prova constante dos autos e as alegações das partes. Não pode haver uma simples indicação da prova que o convenceu, conectando-a a uma determinada legislação ou precedente e, presto, motivada está a decisão. Com certeza, o correto exercício de sua função o obriga a demonstrar seu raciocínio, já que, no chamado livre convencimento do juiz, que é o princípio vigente no ordenamento jurídico pátrio, pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde que apresente os respectivos motivos.” Idem, ibid., p. 23.
[65] FRANK, Jerome. Law and the modern mind. New York: Tudor Publishing Company, 1936. p. 158.
[66] POUND, Roscoe. The Call for a realistic jurisprudence. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 60.
[67] GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 118. Assim também em POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 224.
[68] Jerome Frank lembra as palavras de Lord Macmillan, juiz inglês: “The judicial mind (…) is subject to the laws of psychology like any other mind (…) The judge (…) does not divest himself of humanity. He has sworn to do justice to all men without fear or favor, but (…) impartiality (…) does not imply that the judge’s mind has become a mere machine to turn out decrees; the judge’s mind remains a human instrument working as do other minds, though no doubt on specialized lines, and often characterized by individual traits of personality, engaging or the reverse.” FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 415.
[69] Talvez um dos ramos do conhecimento que mais tenha a contribuir com o estudo do Direito. FRANK, Jerome. Law and the modern mind. New York: Tudor Publishing Company, 1936. p. 100.
[70] Como ocorre entre terapeuta e paciente. RACKER, Heinrich. Transference and Countertransference. Nova York: Karnac, 2002, p. 137.