O governador Eduardo Leite sancionou, em 27 de dezembro recente, a Lei Estadual nº 15.433, que dispõe sobre a idade mínima para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental. O entendimento até então estabelecido era de que a idade mínima seria de seis anos, completados até o dia 31 de março do ano de ingresso. Com o texto da nova lei, na prática, permite-se que crianças de cinco anos (completados até 31 de dezembro) também integrem o primeiro ano. O mote de criação da lei é de que seria “injusta” a negativa de matrícula àqueles que completassem seis anos no dia 1º de abril, por exemplo.
O que se deixa alheio à crítica é que o novo critério também será objeto de questionamento. Não há injustiça também com aqueles que completam cinco anos no dia 1º de janeiro do ano subsequente? Percebe-se, a partir do texto legal e de sua motivação inconsistente, é que não há o necessário cuidado com a infância.
O ingresso precoce na escola pode trazer uma série de prejuízos à criança, muito mais relevantes do que qualquer ganho possível. Talvez o mais evidente seja a negligência com um dos direitos mais básicos dela, que é o de brincar, sem ter compromissos, sem se preocupar. Muitos pais julgam que seus filhos são especiais, que estão muito à frente de seus colegas, que já estão “prontos” para encararem desafios maiores. É um desejo natural. Mas a tenra idade merece respeito e proteção.
Tamanho é o equívoco da mencionada lei que se questiona a sua constitucionalidade através de ação com pedido de liminar, proposta perante o Supremo Tribunal Federal (STF) e distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso. Não parece haver outro caminho senão aquele de se declarar a inconstitucionalidade para salvaguardar a infância.
No livro Outliers, Malcom Gladwell examina essas linhas de corte etário, apontando que existe uma evidente diferença entre uma criança nascida em janeiro e outra em julho do mesmo ano. E que essa diferença, ao invés de desaparecer, persiste e se agrava com o tempo, concluindo: “Isso aprisiona as crianças em padrões de conquista e frustração, incentivo e desaprovação, que se prolongam por anos a fio”. Lugar de criança é na escola, mas na série certa. Quaisquer benefícios temporais obtidos com o ingresso precoce serão suplantados, em maior peso, pelas desvantagens.
Publicado no Jornal do Comércio de 18 de fevereiro de 2020.