Por João Paulo K. Forster
RESUMO
O direito fundamental à ampla defesa ganhou status constitucional com o advento da Carta de 1988. O presente artigo encontra sua base na relação deste direito fundamental com o Estado Constitucional, apontando íntima conexão entre ambos, examinando, ainda em primeiro momento, outras Constituições, a fim de que se possa localizar, explícita ou implicitamente, o posicionamento desse direito fundamental em outros ordenamentos. Passa-se à qualificação da ampla defesa propriamente dita, distinguindo-a de outros direitos fundamentais, de modo a melhor lhe precisar sua abrangência e verdadeiro conteúdo. Por fim, enfrentam-se algumas questões pontuais relacionadas ao tema, em particular o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, tratando da violação ao direito fundamental à ampla defesa como ‘ofensa reflexa’ e, portanto, deixando de analisar possível afronta ao dispositivo constitucional.
Palavras-chave: Direito Fundamental; Processo Civil; Ampla Defesa; Prova.
ABSTRACT
The fundamental right to broad defense has achieved constitutional status with the advent of the 1988 Brazilian Constitution. The present article finds its basis in the relation of this fundamental right with the Constitutional State, pointing out an intimate connection between both, examining, still firstly, another Constitutions, so it can be located, explicit or implicitly, the positioning of this fundamental right in foreign legislation. Next, the qualification of the broad defense itself is examined, distinguishing it from other fundamental rights, specifying its extent and content. At last, punctual themes are addressed regarding this fundamental right, in particular the Brazilian Supreme Court understanding, with respect to the violation of the broad defense as a ‘reflex offence’ and, therefore, not examining a possible breach to the constitutional disposition.
Keywords: Fundamental Right; Civil Process; Broad Defense; Proof.
1 INTRODUÇÃO
O direito fundamental à defesa é tema de grande amplitude no âmbito do estudo processual. Em qualquer área do direito, seja na penal ou cível, em jurisdição contenciosa ou administrativa, faz-se indispensável seja alcançado ao acusado, na maior extensão possível, direito a apresentar defesa, bem como outras implicações dela decorrentes. Embora historicamente[1] associado ao direito processual penal, não resta dúvida de que o âmbito de proteção desse direito fundamental é bem mais extenso hodiernamente.[2]
Na realidade, o reconhecimento da existência do Estado Democrático de Direito, que se revela Estado Constitucional, aponta a necessidade de valorização da defesa. A perspectiva de outrora apresenta uma “trilogia estrutural do processo”[3], fundando a ciência processual em três elementos que se caracterizam como a “base metodológica e científica do estudo da teoria e da prática do processo.”[4] São eles: jurisdição, ação e processo. Modernamente, há de incluir neste rol a defesa, verdadeiro contraponto que é ao direito de ação.[5]
O problema que acompanha essa inserção é delinear com precisão do que se compõe o direito de defesa. Afinal, a linha que o separa de outros direitos fundamentais é tênue, como em relação ao contraditório e o direito à prova, a ponto de alguns doutrinadores[6] não diferenciarem com precisão o âmbito de proteção fornecido por cada um desses direitos fundamentais.
O emprego do termo risco se aplica na medida em que se percebe que, ao confundirmos diferentes direitos fundamentais, perde-se a precisão conceitual necessária para efetiva operatividade dos direitos e para que se compreenda o seu verdadeiro âmbito de proteção. A partir daí é que se pode interligá-los, fortalecendo a noção de direito fundamental ao processo justo.[7]
Admitidas sua relevância, amplitude e atualidade, a matéria em questão se apresenta como de difícil recorte. Afinal, tradicionalmente, sempre despertou maior atenção da ciência processual o enfrentamento dos outros elementos referidos, em particular o direito de ação, de forma que a defesa apenas tardiamente se incluiu nesse rol.[8]
Assim, a meta do presente artigo é explicitar o âmbito de atuação do direito de defesa, entendido como direito fundamental e quarto elemento a integrar as bases da ciência processual. Para tanto, será delineada a relevância da questão dentro do Estado Democrático de Direito, com breve análise de direito comparado, mais especificamente de Constituições, ora extraindo o direito de defesa da garantia do processo justo, ora localizando expressamente sua previsão, com o devido reconhecimento de seu status constitucional.
Em seguida, será realizado o exame deste direito fundamental no direito brasileiro, para que se possa melhor distingui-lo do direito ao contraditório e do direito à prova, determinando sua abrangência e conteúdo. Finalmente, alguns temas específicos serão tratados, com o fito de reforçar o reconhecimento de sua importância, mas também de discutir o dilema ocasionado pelo Supremo Tribunal Federal, que teima em não reconhecer violação do direito de defesa em matéria civil, esvaziando completamente o instituto nessa seara.
2 O DIREITO DE DEFESA NO ÂMBITO DO ESTADO CONSTITUCIONAL
O processo, e aí também quaisquer direitos fundamentais aplicáveis em tal sede, é resultado de um determinado contexto cultural. Não se pode mais afirmar que exista a possibilidade de abstraí-lo ou removê-lo de tal nota, uma vez o próprio direito não escapa, e não deve escapar, indene de tal constatação. Não se nega o caráter cultural do direito, o que leva a sublinhar “justamente as características de humanidade, socialidade e normatividade do jurídico, frisando-se a gênese axiológica e cultural de nossa ciência.”[9]
Nessa quadra, é evidente que o processo inserido em um Estado Constitucional sofrerá as inflexões necessárias de sua localização. Não se pode conceber seja autoritário no seio de Estado Constitucional verdadeiro, ou seja, Estado Democrático de Direito. Isso poderia ocorrer uma vez que o processo nasce da combinação “de opções ideológicas e de instrumentações técnicas”[10], que é variável, em função da ampla gama de opções possíveis, diante do instrumento, que é neutro por si só. Bem pontua Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que
a constituição passa a influenciar de forma direta a posição jurídico-material dos indivíduos perante os tribunais, garantindo posições jurídicas subjetivas, assumindo natureza de direito de defesa perante os poderes públicos com dimensão objetivo-institucional, funcionando com princípios jurídico-objetivos para conformação dos tribunais e do processo judicial.[11]
A influência, portanto, decorre não só da proximidade como da realidade jurídico-constitucional de ampla previsão de normas processuais, revelando-se a Constituição como estruturante do moderno processo civil.
O Estado moderno não tem outra opção a não ser estruturar-se também como um Estado de direito democrático, “isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo.”[12] Já está ultrapassado o tempo em que se admitiriam Estados Constitucionais de constituições fajutas e antidemocráticas, impostas por algum tipo de ditador sob uma simples aparência de Constituição, para nada ser além da verdadeira legitimação da tirania.
Bem desenvolveu Canotilho[13] a perspectiva de que, a partir dos quatro modelos por ele referidos – Rule of Law, o modelo inglês; o Always under law, norte-americano; o L’État légal, francês; o Rechtsstaat, alemão, não há a possibilidade de que seja caracterizado como constitucional um Estado que não seja democrático de direito, procurando estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de Direito.
Caso seja tomada, por exemplo, a Constituição Federal, há de se salientar seu artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito […].” A realidade é que, conceba-se como for, a ideia de Estado Constitucional ruma para se tornar um modelo universal, ainda que possam ser identificados outros modelos a partir deste.[14] O caráter democrático[15], contudo, é inerente a todos eles.
Assim, o processo configura-se como um instrumento moderno de efetivação da democracia[16] e preservador do Estado Democrático de Direito. Nesse âmbito, questão relevante é se o direito de defesa necessita ser expressamente positivado, ou se pode ser deduzido de outros princípios, tal qual a dignidade da pessoa humana ou simplesmente do próprio Estado Democrático de Direito. Kriele destaca que
A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e o totalitarismo. Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição Soviética de 1936 garante a ‘inviolabilidade da pessoa’. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição soviética diz, mais adiante, que a ‘detenção requer o consentimento do fiscal do Estado’. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mas tão somente uma autorização ao fiscal do Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação de inviolabilidade da pessoa não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag. Ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos.[17]
No seu entendimento, “os direitos humanos somente podem ser realizados quando limitam o poder do Estado, quando poder estatal está baseado em uma ordem jurídica que inclui a defesa dos direitos humanos”. Mais: esse Estado, para ser realmente respeitador desses direitos humanos, dessas garantias fundamentais, indiscutivelmente precisa possuir um Judiciário independente – a sua presença é mais importante do que qualquer catálogo de direitos fundamentais.[18]
Acompanha-lhe Canotilho, ao delinear a estrutura lógica nuclear do Estado de Direito, aponta como seus requisitos: “1. a instância decisória deve ser independente e imparcial; 2. a decisão deve ser proferida só depois do conhecimento das questões de facto e de direito; 3. a decisão deve ser fundamentada.”[19] A fundamentação das decisões judiciais, como sói acontecer, surge aqui como tema de extrema importância, que já foi enfrentado em estudo anterior,[20] e por isso aqui não aprofundado.
Não resta dúvida, portanto, que no Estado Democrático de Direito, mister se faz sejam preservadas (ainda que não de maneira expressa, textual)[21] os direitos fundamentais dos indivíduos, com destaque, aqui, para os chamados direitos fundamentais processuais. A proteção judicial efetiva é a “que permite distinguir o Estado de Direito de qualquer outro, inclusive do Estado Policial.”[22] Justamente por isso o direito fundamental ao processo justo configura “modelo mínimo de atuação processual do Estado e mesmo dos particulares em determinas situações substanciais. A sua observação é condição necessária e indispensável para obtenção de decisões justas.”[23]
Nessa quadra, merece destaque o direito de defesa. Ainda que não localizado de forma expressa em algumas constituições abaixo referidas, ele se depreende do próprio direito ao processo justo. Assim, não encontrado um, será buscado o outro, no qual o primeiro se inclui.
2.1 A previsão constitucional em Direito Comparado
Foram selecionados algumas Cartas Constitucionais para análise da temática do direito de defesa ou do direito fundamental ao processo justo. Não há uma ligação específica entre as escolhas operadas, mas sim um propósito: o de demonstrar, ainda que com brevidade, a ampla previsão sobre o tema.
2.1.1 A Constituição Portuguesa
Encontra-se, no artigo 20 da Constituição Portuguesa, garantido aos cidadãos portugueses o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, registrando que “a todos é assegurando o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios econômicos.”[24] Como de hábito, em se tratando de direito criminal, há maior claridade. No art. 32, acham-se asseguradas todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
2.1.2 A Grundgesetz Alemã
Em seu artigo 1º, a Lei Fundamental alemã se preocupa com a “dignidade do ser humano, caráter obrigatório dos direitos fundamentais.” Passa a afirmar que a integralidade dos “poderes públicos têm a obrigação de respeitá-la e protegê-la. Em consequência, o povo alemão reconhece ao ser humano direitos invioláveis como fundamento de toda comunidade humana, da paz e da justiça no mundo.” Nessa quadra, se considerarmos que o fundamento do direito de ação, contraditório e defesa jaz no respeito ele próprio da pessoa humana e de sua dignidade, a previsão expressa de atenção a essa condição humana já permite deduzir tais direitos.[25]
A Lei Fundamental veda, em seu artigo 19, a restrição a direitos fundamentais por lei ordinária, não sendo admitida sua vigência para um caso particular e somente podendo possuir aplicabilidade ampla e indistinta a todos os casos nela enquadrados.
Mas é no artigo 103, I, que se encontra o direito que qualquer cidadão tem de ser ouvido em juízo (vor Gericht hat jedermann Anspruch auf rechtliches Gehör). A previsão legal estipula que é assegurada a ouvida, ou seja, a efetiva apresentação de uma defesa, bem como que essa defesa tenha o condão de influenciar o julgamento final da demanda.
A realidade é que a denotação evidente dessa previsão constitucional é o direito de participação, que vai se dar, na perspectiva do réu, também na apresentação de defesa e de todos os expedientes necessários à formação do provimento jurisdicional. Mas, ressalva-se desde logo que participação e defesa não são conceitos idênticos, mas sem dúvida relacionados. Essa pretensão, de ser ouvido, “envolve não só o direito de manifestação e o direito informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar.”[26]
No Brasil, por exemplo, o contraditório e a ampla defesa são tratados separadamente, ao contrário do que se vê na Grundgesetz. Agora, com essa nova configuração dada ao contraditório, é evidente uma maior aproximação do conteúdo das duas garantias. Mas dela não se extrai tão somente a ampla defesa, mas também se liga ao próprio direito de ação.
A norma se dirige tanto ao legislador quanto ao aplicador da lei, estabelecendo que qualquer que seja o procedimento elaborado por aquele primeiro, um núcleo duro mínimo do rechtliches Gehör (ou seja, de direito de ser ouvido) deverá ser assegurado aos participantes de qualquer contenda.[27]
De outra banda, a garantia de ação e de defesa deve se ter como lesada tão somente se seja removida das partes a possibilidade de debater em ordem sobre um fato ou elemento de prova relevante para a solução da controvérsia: não importa que ele tenha sido alegado ou introduzido pelos interessados ou seja conhecido de ofício pelo juiz.[28]
Não se pode deixar de notar que os dois outros direitos previstos no mesmo artigo 103 da Lei Fundamental (Nulla poena sine lege e non bis in idem)[29] são garantias naturalmente estendidas aos processos criminais. Nada há de curioso aqui, já de início destacamos que o direito de defesa naturalmente acompanha o processo penal, sendo este mais um de seus reflexos.
2.1.3 A Constituição Italiana
A Constituição Italiana, em seu art. 24[30], prevê que a defesa “é direito inviolável em qualquer estado e grau do procedimento.” O contraditório, indispensável à realização do processo justo, encontra sua previsão mais adiante, no art. 111 da Constituição. É perceptível que “na ótica da Constituição, o agir e o se defender configuram-se como atividades contrapostas e homólogas, assim legitimando uma proteção deles proporcionalmente igual”.[31]
A defesa, justapondo-se à ação, e se inserindo no contraditório entre as partes não se limita ao ‘direito inviolável do indivíduo’, mas vem a integrar uma garantia de tipo ‘técnico’ e estrutural, válida para qualquer seja o processo. Mas essa garantia não deve ser vista meramente como defesa “ativa”, ou uma defesa estática. Ela deve ser contemplada como uma defesa efetiva, ou seja, como um direito e uma garantia de conteúdo efetivo. Assim, as próprias atividades de defesa estão aptas a influenciar na formação do convencimento judicial (e, portanto, sobre o iter formativo) da decisão jurisdicional. Tal entendimento, trabalhado pela doutrina durante várias décadas, foi ao encontro da reforma constitucional de 1999.[32]
Reconheça-se que tal reforma resultou no reconhecimento de um rol de princípios que já eram protegidos pela Constituição de maneira implícita, mas nem por isso o rol deixa de ter importância. Nessa quadra, não resta dúvida de que o reconhecimento à paridade entre as partes merece o adequado tempero dos interesses envolvidos (público ou privado) e do tipo de processo (civil ou penal) em questão, como já se havia destacado antes. A imparcialidade do juízo, constante do artigo 111, é a condição fundamental para, a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, serem atendidas todas as garantias e direitos das partes em qualquer tipo de procedimento.
Andou bem o artigo 111[33] ao estipular no parágrafo segundo um núcleo duro do justo processo, de forma que tais garantias não poderão ser subtraídas das partes pelo julgador, pois pertencem a qualquer processo. Adverte e espera Cipriani que as modificações instituídas a partir da redação do art. 111 da Constituição Italiana entreguem ao legislador ordinário o dever de elaborar um código de processo civil realmente afinado com as garantias do giusto processo.[34]
2.1.4 A Constituição Espanhola
Em seu artigo 24, segundo parágrafo,[35] a Constituição da Espanha assegura a todas as pessoas o direito à defesa. Nesse contexto, também lembra um pouco a previsão da Grundgesetz, ao incluir em um só artigo constitucional uma ampla gama de garantias, distanciando-se na sua extrema complexidade. O direito de defesa, mais uma vez, surge conectado ao processo penal, ainda que não se negue sua aplicabilidade ao processo civil.[36]
2.1.5 A Constituição Argentina
Na mesma linha da Constituição espanhola, o art. 18 da Constituição Argentina. [37] E, também assim, se verifica que a proteção à ampla defesa se estende a processos não penais, ou seja, civil, militar, uma vez que se trata de, nesse dispositivo, de um rol de direitos à jurisdição.[38]
2.2 Reconhecimento do status constitucional do direito de defesa
Permanece, mesmo em Constituições mais recentes, a conexão da ampla defesa com o âmbito do processo penal[39], ou seja, quando uma possível restrição à liberdade está em jogo. Nada mais natural que, quando a liberdade de um indivíduo está em jogo, exista uma preocupação maior com esse aspecto. No entanto, já não se pode sonegar a amplitude do direito de defesa, seja pelo próprio fenômeno da constitucionalização do processo civil em nosso ordenamento[40], seja pela vasta previsão constitucional verificada em direito comparado.
Verifica-se que o reconhecimento de tal direito como fundamental é ponto que não admite mais retrocesso. O reequilíbrio que se verifica a partir daí, entre ação e defesa, é curial e possui consequências para ambos aspectos. Importa, agora, analisar pontualmente no ordenamento pátrio a previsão da ampla defesa.
3 O DIREITO DE DEFESA NO BRASIL
3.1 As Constituições anteriores
Na Constituição de 1824, (a primeira, diante do insucesso da Constituição de 1822, por conta da independência do Brasil), a única vez que a palavra “defesa” surge é no contexto de “defesa do Império”[41]. Sua preocupação era voltada muito mais ao esquema de arranjo entre os Poderes instituídos (entre eles, o Poder Moderador, concebido por Benjamin Constant) e, claro, com a consolidação do processo de independência no Brasil, não admitindo qualquer laço de união ou federação com quem se oponha a tal processo.[42]
Finalmente, na Constituição Republicana de 1891, em seu artigo 72, §16, constava a previsão de que “aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas.” Tratava-se, àquela época, de garantia prevista no âmbito de processos penais, por tratar da figura do acusado desde a nota de culpa. Portanto, foi a primeira vez na qual, no Brasil, houve algum tipo de salvaguarda de natureza constitucional à defesa, ainda que restrita à seara criminal.
A Constituição de 1934, promulgada em pleno regime autoritário da Era Vargas, previa, em seu art. 113, §24, que “a lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a ela”, em redação similar à vigente.
Já na de 1937, no art. 122, alínea 11, constava, em pleno Estado Novo, que deveriam se estender ao acusado as “necessárias garantias de defesa”, o que soa possivelmente arbitrário, especialmente porque a inspiração constitucional deste instrumento foi a Constituição autoritária da Polônia. Ou seja, se o órgão judicante entende que algum tipo de garantia de defesa revela-se desnecessária, é fácil remover-lhe, sem qualquer prejuízo do texto constitucional. As Constituições que se seguiram, de 1946[43] e de 1967[44], também encontravam previsões legais no que diz respeito ao direito de defesa.
É nítida a delimitação histórica do princípio ao direito processual penal, devendo salientar que já se referia que este haveria de ser “contraditório”. Mas isto não surpreende, haja vista que algumas Constituições ainda hoje conectem esse direito fundamental à seara criminal. No entanto, a Constituição Federal de 1988 veio para sanar de vez tal ambiguidade, concedendo igual e ampla proteção à defesa, em qualquer processo.
3.2 A Carta de 1988 e a abrangência da ampla defesa
A Carta de 1988, ao novamente mesclar o que havia sido separado na Constituição de 1967, criou uma discussão de relevância no âmbito doutrinário. A disposição do art. 5º, LV é a seguinte: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” Finalmente o princípio saiu do âmbito penal para se estender ao processo civil e administrativo.[45] A legislação ordinária tardou, em alguns casos, em atender a determinação Maior, como no caso da Lei 9.784/99, que regula o Processo Administrativo, que veio a ser promulgada 11 anos depois da Constituição, para determinar, expressamente, a salvaguarda do direito de defesa em seus artigos 2º, 27, § único, e 68.
Revelou-se tal mora, contudo, manifestamente irrelevante. Afinal, se está diante de norma constitucional de eficácia plena, pois ela contém todos os elementos e requisitos para sua incidência direta.[46] Posição esta também adotada por Alvaro de Oliveira, ao referir que
Além disso, o §1º, do art. 5º, da Constituição brasileira estatui de modo expresso que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata. Esta última disposição constitucional reveste-se de grande significado. Por outro lado, principalmente em matéria processual, os preceitos consagradores dos direitos fundamentais não dependem da edição de leis concretizadoras. Por outro, na Constituição brasileira, os direitos fundamentais de caráter processual ou informadores do processo não tiveram sua eficácia plena condicionada à regulação por lei infraconstitucional.[47]
E, claro, como reflexo direto da maior amplitude da regra, temos que, no processo penal, que foi desde muito protegido, agora encontra-se superprotegido, a ponto de se afirmar, ainda que sem admissão de seriedade possível, que todo processo penal na realidade é nulo, pois sempre viola uma garantia do réu.
Mas o problema não reside aí ou, ao menos, o problema relativo ao processo civil. A questão que se impõe é a necessária diferenciação entre contraditório e ampla defesa. Se o art. 5º, LV, contém as garantias ao contraditório e ampla defesa, e que eram historicamente separadas, tratam-se de dois fenômenos diversos, e merecedores de análise distinta. Somente a partir da efetiva compreensão desses diferentes direitos é que se pode examinar o direito de defesa.
3.2.1 A distinção entre o direito de defesa e o direito ao contraditório[48]
O contraditório é, na verdade, muito mais do que há muito tempo se cunhou como a necessidade de ciência bilateral das partes dos atos do processo e na singela possibilidade (ou faculdade) de “contraditá-los, mas se estende a todo o material de interesse jurídico para a decisão, tanto jurídico (debate com as partes de todo material jurídico relevante para a decisão) quanto fático (requerimento de provas, indicação dos meios de prova, participação na sua produção, manifestação sobre ela) tanto de natureza processual quanto material”[49].
O contraditório é, em apertada síntese, o direito que ambas as partes tem de resposta[50] que venha a influir na decisão judicial[51], em todo e qualquer processo[52], representando a “mais óbvia condição do processo justo”[53], e que pode se “realizar de diferentes maneiras no processo”.[54] Mas não deve ser observado pelo juiz de maneira passiva, e sim de forma ativa, agindo para resguardar a possibilidade de contraditório entre as partes, a ele também se submetendo. É esse o conteúdo mínimo do contraditório.[55]
Portanto, o juiz só pode decidir com base naquilo que as partes efetivamente produziram e manifestaram, o que naturalmente impede a ocorrência de decisões-surpresa no processo.[56] Ora, se as partes ativamente participaram da formação processual, seria irrisório que essa participação pudesse ser desconsiderada pelo julgador. Logo, não se nega sua nítida característica de democratização no processo.[57] De outra banda, ele também
implica um outro princípio fundamental, sem o qual ele nem sequer pode existir, que é o princípio da igualdade das partes na relação processual. Para a completa realização do princípio do contraditório, é mister que a lei assegure a efetiva igualdade das partes no processo, não bastando a formal e retórica igualdade de oportunidades.[58]
Cabe registrar que, só atendido esse conteúdo mínimo, de participação cabal, é que não se violará o núcleo duro do contraditório e, só assim poderá ele ser visto efetivamente como princípio diretor do processo.[59]
O direito de defesa, de seu turno, não parte de uma igualdade, mas sim do reconhecimento da característica própria do réu. Ele se configura como um direito que o réu tem de se proteger diante da ação do autor – ou seja, ação e defesa são lados opostos da mesma moeda. Pode-se dizer que “é do contraditório que brota a própria defesa. Desdobrando-se o contraditório em dois momentos – informação e possibilidade de reação – não há como negar que o conhecimento, ínsito no contraditório, é pressuposto para o exercício da defesa.”[60]
Em sentido mais claro, é do conteúdo da ampla defesa que se extrai o direito da parte demandada à cognição plena e exauriente[61], para que possa haver a maior amplitude possível de alegações pelos interessados, abrindo-se o debate à ampla e efetiva participação das partes. A restrição a tal direito deve sempre decorrer de lei, “cujos motivos devem ser fundados obviamente em razões de ordem constitucional.”[62]
Uma diferenciação de cunho bastante objetivo é a de que o contraditório é obrigatório, representando direito de informação e mais a efetiva possibilidade de influência na decisão final, enquanto a ampla defesa é facultativa[63], significando a possibilidade de reação.[64] Esgotar o tema no reconhecimento de que seja o direito de defesa em direito à cognição plena e exauriente não parece explicar como, de fato, se dá a efetiva participação do réu na demanda. O contraditório não esgota o tema, pois o ato de se defender não representa, sempre, um ato estabelecido a partir do contraditório. A defesa é o movimento inicial do réu tanto quanto o direito de ação é o movimento inicial do autor. Ou seja, há de se reconhecer uma ideia de conteúdo mínimo do preceito e que uma de suas características é a elasticidade[65]. Resulta, ainda, que é possível que seja assegurado, em determinada demanda, o contraditório, mas não a ampla defesa[66], demonstrando que o “objetivo principal do contraditório não é a defesa (…), mas, isto sim, a influência (…) sobre o desenvolvimento e resultado do processo.”[67] Distinguem-se, portanto, os direitos fundamentais de ação, contraditório e defesa.[68]
Bem registra Marinoni que “o direito de defesa é o direito de efetivamente poder negar a tutela do direito, o qual apenas poderá ser limitado em hipóteses excepcionais, racionalmente justificadas pela necessidade de efetiva tutela jurisdicional do direito.” E conclui, afinado com o pensamento exposto: “Nessa perspectiva, não há como deixar de perceber que o direito de defesa também consiste no direito de influir sobre o convencimento do juiz.”[69]
Uma definição que busque sintetizar o que contém a ampla defesa prevista na Constituição necessita reconhecer-lhe quatro características fundamentais:
(i) a declinação pormenorizada pelo autor da demanda das razoes pelas quais pretende impor consequências jurídicas ao demandado; (ii) a adoção de procedimento de cognição plena e exauriente como procedimento padrão para tutela dos direitos e para persecução penal; (iii) direito à defesa pessoal e à defesa técnica no processo penal; e (iv) o direito à dupla cientificação da sentença penal condenatória.[70]
Como o presente estudo não se detém na análise da questão processual penal, possuem relevo para o âmbito civil os pontos (i) e (ii), acima enumerados. Em qualquer caso, admite-se que, no âmbito do processo civil, não são encontradas tantas articulações do direito de defesa. Todavia, as consequências desse entendimento possuem repercussões sensíveis. Por exemplo, que o item (i) está diretamente ligado ao fato de a inobservância do disposto no artigo 282, III ou IV, conduzir à inépcia da inicial, que nada mais é do que uma forma de proteção prévia ao direito de defesa do réu. Ou seja, não se admite, no bojo de um processo de corte constitucional, o indevido agravamento do exercício da defesa, que tem dificuldade em formular argumentos porque não compreende a verdadeira natureza da pretensão autoral.
3.2.2 Relação entre ação e defesa
A categoria do direito de ação já se encontra com certo desgaste. O tema vem sendo vividamente debatido desde que Bülow, em sua obra seminal, efetivamente criou o ramo da ciência processual. No entanto, a valorização do direito fundamental à ampla defesa, e seu reconhecimento com a ‘outra face da mesma moeda’ do direito fundamental à ação demonstra que não é possível seu abandono.
O direito de ação, quando exercido pelo autor, faz nascer para si e para o réu o direito ao contraditório, ou seja, da efetiva participação no processo. Por isso mesmo o direito de defesa está umbilicalmente conectado ao direito de ação. E, nessa medida, ambos estão conectados com o direito ao contraditório, que não existe sem o exercício do direito de ação, mas que poderá existir sem o exercício da defesa, por se tratar de uma faculdade do réu no âmbito do processo civil.
Na realidade, num primeiro momento, será a escolha do procedimento que limitará a medida de extensão da defesa e o momento do contraditório do réu, para, então, tocar ao juiz a possibilidade de contraditório diferido, mas jamais eventual – o contraditório eventual é estabelecido pela lei, ou seja, pelo procedimento escolhido pelo autor. Assim, o direito à cognição plena e exauriente é limitado, em determinado caso, pela demanda proposta pelo autor. Se ele optou por rito especial, que porventura limite a amplitude da defesa do réu, e o fez de forma legítima, caberá ao réu exercer o seu direito de ação oportunamente para que se evite qualquer lesão, se efetivamente verificada.
Nessa mesma quadra, cabe indagar a quem toca o direito de defesa, ou seja, ele é uma garantia exclusiva do demandado ou pertence também ao demandante? Bom, se o demandado é quem tem o direito de opor resistência à tutela pretendida pelo autor, ou de (re)ação, cabe tipicamente a ele tal direito.[71] O exercício da defesa está ligado à figura do réu, portanto, daquele que apresenta contestação. Assim, o direito fundamental à ampla defesa só se estende ao demandante no caso de ações dúplices ou reconvenção. Estende-se, portanto, ao polo passivo da demanda.[72] O contraditório é que pertence a ambas as partes.
Anota-se mais adequado entender que quaisquer manifestações realizadas pelo autor no curso da demanda por ele proposta, como a solicitação de provas ou manifestações sobre alegações do réu (p. ex., réplica), revelam-se decorrências naturais do exercício de ação. Pensar o contrário seria imaginar que o autor, na realidade, possui mais garantias que o réu, uma vez que ele tem direito de ação e de defesa, ou seja, muito embora ele já tenha definido qual o procedimento, terá também direito à cognição plena e exauriente? Isso simplesmente não faz sentido. Nem por isso se furtaria do autor a possibilidade de manifestação a respeito das alegações do réu. A isso se dá o nome de contraditório.
Outro ponto relevante digno de destaque é o princípio da eventualidade, que rege o direito de defesa[73], desde que entendido como terreno exclusivo do demandado. Assim, em certa medida, a defesa comporta uma abrangência que o direito de ação não possui. Enquanto que a narração dos fatos da inicial deve ser completa e conduzir de maneira clara ao pedido formulado de condenação do réu[74], a narração dos fatos por este pode comportar mais de uma versão, ‘apenas para argumentar, sem conceder’, sendo lícita a apresentação concomitante de defesa direta e indireta.[75] Ao autor não é dado se “defender” – na realidade se manifestar – com tamanha amplitude, pois está vinculado aos fatos narrados na inicial.
E, finalmente, não se pode deixar de negar que, assim como o direito de defesa não se encerra na apresentação da defesa (seja na forma de contestação, reconvenção ou exceção), o direito de ação não se encerra na propositura da demanda, pois ambos integram, em conjunto com outros direitos, o direito fundamental ao processo justo. Em qualquer caso, sempre é importante destacar que a observância aos direitos de ação, defesa e contraditório não garante a qualquer das partes o resultado de procedência da demanda.[76]
4 TEMAS ATUAIS DO DIREITO DE DEFESA
4.1 Medidas ‘cautelares’, procedimentos especiais e abuso
O procedimento especial existe, em nosso ordenamento, para atender uma necessidade de tutela jurídica originada a partir de situações específicas de direito material. A escolha de tutela de alguns direitos específicos em detrimento de outros não é explicado pelo legislador, mas explicável ou presumível: as situações reguladas estão conectadas ao peso de questões históricas, de institutos consagrados, de conveniência momentânea e local, e assim por diante.[77] Para o restante dos casos, isto é, a grande maioria, os elaboradores do Código de Processo Civil reservaram “aquilo que podemos chamar de procedimento básico, ou padrão, dotado do maior número possível de mecanismos, todos ligados às garantias constitucionais do processo.”[78]
Desnecessário referir que, mesmo em se tratando de procedimentos especiais, estamos diante da necessidade de atendimento ao dever insculpido no art. 14 do CPC, qual seja, de proceder com lealdade e boa-fé. Assim, a conduta das partes, seja de demandante, seja de demandado, deve sempre ter como referência a conduta fundada na boa-fé. Trata-se, verdadeiramente, de uma “cláusula geral processual”, com a abertura e vagueza típicas de cláusula aberta, que deverá ser analisada a partir de situações específicas que poderão configurar sua violação.
A redação trazida pelo Novo Código Civil, em seu artigo 187[79] se presta a preencher a função limitadora da boa-fé objetiva, em relações contratuais ou extracontratuais, a dizer que existem balizas mesmo para o exercício de direitos reconhecidos em lei ou em contrato. É certo que esse exercício “disfuncional” de um direito não pode ser definido de maneira apriorística, e sim a partir de situações concretas.[80]
A utilização de medidas gravosas, como, por exemplo, a medida de atentado, por si só, não representa a ocorrência de qualquer abuso. Assim como não há abuso na decisão que determina, aplicando o art. 881 do CPC, a proibição de falar nos autos, uma vez que “está ao alcance do demandado lograr novamente esse poder.”[81] A questão é que não se exclui do âmbito do demandado a possibilidade de demanda autônoma, para o ressarcimento de quaisquer prejuízos advindos da implementação da medida.
E assim é com todas as medidas cautelares, de natureza cautelar ou não. O próprio Código de Processo Civil, no art. 811, prevê hipóteses de responsabilização objetiva do demandante, de forma a assegurar a possibilidade facilitada de pretensão ressarcitória do demandado que, exposto a procedimento diferenciado, com redução da possibilidade de defesa.
No entanto, há um nítido limite para o aporte de regras de direito material para o âmbito do processo, mesmo o civil. A regra do abuso de direito conforme preconizado pela função limitadora da boa-fé objetiva encontra vasta aplicabilidade no âmbito do processo. Já a aplicação da doutrina dos atos próprios há de se restringir à análise do direito material. Wambier, ao comentar e admitir a hipótese de supressio – perda de um direito – para aquele que aguarda dois anos para demandar[82], na via da prestação de contas, banco que realizava descontos supostamente indevidos na sua conta por todo esse período, acreditamos, cruza a linha do que seria efetivamente adequado. Pode-se questionar que ele teve suprimido, no âmbito do direito material, a possibilidade de exigir tal situação e que isto há de ser reconhecido judicialmente, mas soa excessivo que a simples mora na persecução de interesse em juízo pudesse acarretar tal nefasta consequência.
Afinal, e isso é assente na doutrina civilista, supressio não se confunde com prescrição, mas sim com a efetiva perda de um direito pelo seu não exercício durante período de tempo prolongado, refere a jurisprudência que ocorre devido a uma inércia qualificada de seu titular.[83]
Que isso possa ter ocorrido no caso relatado, não há problema, apenas soa curioso que a propositura de demanda específica (prestação de contas) pudesse ser entendida como abuso de direito nesses casos, quando tão somente houve uma deterioração da relação de direito material estabelecida, mas jamais poderia se dizer que ocorreu, verdadeiramente, algum tipo de assédio processual.
Muito se discute, também, a respeito da questão das ações possessórias, e da limitação do direito de defesa do demandado (muito embora possua natureza dúplice, conforme prevê o art. 922 do CPC). A vedação imposta pelo art. 923 é de que “na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento do domínio.” Trata-se de verdadeira restrição ao direito de defesa. Mas trata-se de limitação inadequada? Verdadeiramente não, e é cediça sua constitucionalidade. Porque se permite, em momento posterior, que seja ventilada tal discussão em determinada ação petitória. A defesa se dá de forma parcial neste momento, para, em momento posterior, se buscar o que se pretendia da maneira anteriormente pretendida, mas vedada em Lei.[84]
A questão, como bem pontua Marinoni, é que “se não há dúvida de que a restrição à matéria de defesa significa uma limitação ao direito de defesa, é evidente que tal restrição deve encontrar justificativa na necessidade de tutela dos direitos e na Constituição Federal. Em outras palavras, é preciso saber se o direito material que está sendo tutelado de forma diferenciada justifica a restrição de defesa.”[85]
Solução que se apresenta possível é a seguinte: todo direito de reação enquanto defesa que se furta do demandado deve ser garantido para ele na via de uma outra ação. O que não se admitirá é a supressão tal do contraditório e da ampla defesa que vede o acesso da parte demandada a qualquer forma de exercício do direito de ação, ainda que seja na forma de re-ação. Nesse ponto, a advertência se dirige em particular ao legislador, e não ao ofício judicial. Portanto, ainda que se reconheça o direito ao provimento adequado, que decorre da necessidade de prestação efetiva da tutela do direito[86], também deverá se alcançar ao demandado a possibilidade de direito de defesa, senão naquele meio específico de tutela, em outro tipo de ação.[87]
O Projeto do Novo Código de Processo Civil que está em votação no Congresso Nacional, cada vez mais se avizinhando sua promulgação, manteve a lógica cautelar sem valer-se do extenso conteúdo do livro III do diploma processual de 1973. As diferentes tutelas de urgência e evidência não afastam a imperatividade de ampla defesa e do contraditório postecipado, seja na mesma demanda em que realizado o pedido, seja em lide posterior, quando se tratar de “petição inicial da medida requerida em caráter antecedente”.[88]
4.2 Mandado de segurança
O mandado de segurança é procedimento diferenciado estipulado em prol de direito líquido e certo, violado por autoridade coatora de natureza pública ou investida em função delegada.[89] Modernamente, o mandamus ganhou notável relevo com a possibilidade de que seja impetrado na forma coletiva, atendendo a uma ampla gama de interesses.[90]
Ele não deixa de ser uma espécie de procedimento especial no sentido de que não atende o rito ordinário conforme a previsão legal do Código de Processo Civil. A limitação de defesa, aqui, não é problema. Trata-se de procedimento recentemente previsto na Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, mas que já encontrava regulação na antiga Lei 1.533/51 e, dada sua idade, poder-se-ia imaginar que discutível seu conteúdo. Não é o caso.
A regra anterior nitidamente havia sido recepcionada pela Constituição, assim como ocorreu com o Código de Processo Civil de 1973. A necessidade que se apresentou a partir daí, como bem salienta Carlos Alberto Alvaro de Oliveira[91], é a necessidade de interpretação conforme, ou seja, de que os dispositivos processuais sejam vistos a partir da melhor leitura possível a partir do texto constitucional. A prestação de informações, e. g., é vista por alguns doutrinadores como possuidora de natureza de contestação.[92]
No que diz respeito à questão probatória, que só se admite a prova documental, essa restrição atinge ambos os lados da relação estabelecida a partir da propositura do mandamus. Já aí se verifica que, fosse o caso, haveria uma limitação tanto ao direito de ação como ao direito de defesa, ao menos para quem não consegue diferenciar estes direitos fundamentais do direito fundamental à prova, que é coisa bastante diversa. Logo, embora tal previsão “configure restrição ao direito de produzir prova, não constitui violação ao direito de defesa.”[93]
Portanto, o mandado de segurança é meio legítimo e idôneo para tutela de direito líquido e certo, com hipóteses restritas de cabimento e com limitações que também se impõem ao impetrante do writ.[94]
4.3 Antecipação da tutela, abuso da defesa e parte incontroversa da demanda
Não existindo direito absoluto, todo direito comporta a possibilidade de abuso[95], como bem prevê o artigo 187 do Novo Código Civil, anteriormente referido. O abuso do direito de ação configura o chamado “assédio processual”, enquanto que o de defesa o “abuso de defesa”. Para Rui Stoco, “poder-se-ia dizer que qualquer direito encontra supedâneo na extensão de seu exercício, ou seja, aquele que exercita o direito de forma anormal ou irregular e, assim, excede o limite do exercício regular desse seu direito.”[96] Afinado com essa proposição, assinala François Ost que “só muito excepcionalmente é que um direito concedido em dado momento do passado beneficiará de uma proteção absoluta contra todas as formas de interesses concorrentes.”[97]
Estabelecida essa premissa, verifica-se que, em determinadas situações, prevê o art. 273, do Código de Processo Civil, em seu inciso II, uma das hipóteses de cabimento da antecipação da tutela, quando fique caracterizado abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, e que depende de requisição específica da parte.[98] O dispositivo, por si só, não atrai nenhuma inconstitucionalidade. A finalidade é tão somente de repartir, entre as partes da contenda, os ônus decorrentes do tempo do processo. Portanto, essa previsão legal configura técnica que permite que o autor não tenha de esperar o final do processo para a realização de um direito que não está sendo negado substancialmente pelo réu. Na mesma medida, trata-se de reconhecimento de que a demora processual sempre traz benefícios ao réu que não tem razão[99], e a técnica da antecipação da tutela permite que se redistribua o suporte dos ônus pela morosidade ao réu.
O procedimento ordinário, como concebido Código de Processo Civil, e no ordenamento da Civil Law como um todo, não tem como meta a celeridade e uma breve duração. Ele é naturalmente longo, e cabe ao legislador e ao intérprete, respectivamente, a disposição e a utilização de ferramentais aptos a alterar esse cenário. Afinal, o processo constitucional se volta para a consecução de direitos fundamentais, e admitir que se estenda ao réu, como regra, sempre e sempre o benefício pela mora processual, é violação daqueles direitos.
O modelo teórico construído no qual se admite a aplicação do art. 273, II, do Código de Processo Civil presume a existência de que o fato constitutivo do direito do autor se encontra provado nos autos, e, em defesa indireta, o réu formula alegação insípida, inverossímil de fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito do autor. Além de infundada, também se requer que essa defesa de mérito indireta não seja de imediata solução.[100]
Isto confere relevância à diferenciação entre o que pode ser efetivamente provado e o que não pode ser plenamente provado. Quer dizer, a caracterização da defesa como infundada ou inverossímil está diretamente relacionada com a capacidade que a parte tem de fazer prova das suas alegações.[101] Não cabe ao autor demonstrar essa impossibilidade, é da atribuição do ofício do magistrado que se perceba essa situação, impondo ao réu os ônus daí decorrentes, dentre eles, a antecipação da tutela fundada no artigo 273, II, do Código de Processo Civil.
Questão afim é a da tutela definitiva da parte incontroversa da demanda, prevista no mesmo dispositivo legal supracitado. Afim porque também se extrai do art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, não impondo ao autor uma mora absurda, de que deva aguardar até o deslinde da demanda quando ao menos parte dela já é incontroversa e, portanto, exigível na via definitiva.
À parte da ponderação dessa possibilidade ser constitucional – e ela de fato o é – cabe sopesar das consequências efetivas disso para o réu, ou seja, como ele pode exercer seu direito de defesa quando não se trate, na verdade, de parcela incontroversa da demanda?
Seja na perspectiva do direito de defesa, seja na perspectiva do contraditório, o que tem de ser assegurado à parte é a efetiva possibilidade de recurso dessa decisão, que se dá na via do agravo de instrumento. É importante, no entanto, que a este recurso sejam emprestadas características do regime da apelação[102], pois, embora decisão interlocutória, não paira dúvida de que efetivamente seja de mérito e irrevogável. Surge uma restrição indevida da ampla defesa não à aplicação literal do dispositivo, mas a restrição à parte interessada de utilização de meio apto a reverter o provimento que lhe foi desfavorável, em meio que também lhe conceda cognição plena e exauriente.[103]
4.4 O posicionamento do STF e a ampla defesa em processo civil
Impossível se negar a relevância do direito de defesa e sua aplicabilidade irrestrita a todos os tipos de processo. Por esta razão é que se torna chocante a constante omissão do Supremo Tribunal Federal na análise dessa matéria, afirmando, em repetidos casos, tratar-se de “ofensa reflexa”[104] ao texto constitucional, quando instado a analisar possível violação. O entendimento consolidado é o de que a violação ao direito de defesa, em matéria civil, é mera ofensa reflexa, se existente, pois a matéria não é diretamente examinada por depender de “exame prévio e necessário da legislação comum”[105], o que descaracteriza a possibilidade de acesso à via extraordinária.[106]
Não se pretende, nem remotamente, alcançar ao direito de defesa no processo civil a mesma efetividade de processão que possui no âmbito do processo penal. Mas entre uma garantia de tudo ou nada, certamente se encontra um adequado meio termo.[107] Afinal, a previsão legal da Carta Magna, em seu art. 102, III, “a”, é de que cabe ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de recurso extraordinário quando a decisão recorrida viola dispositivo constitucional, pois lhe cabe precipuamente a ‘guarda da Constituição’.
A situação há de se agravar, com a possibilidade de que o Supremo estenda a outros direitos fundamentais a mesma noção de ideia reflexa, até que ele próprio tenha se esvaziado da integralidade de sua competência. A falha é evidente: agindo dessa forma, a Corte Constitucional está deixando de densificar o âmbito de proteção a esse direito, removendo seu conteúdo e, portanto, a sua própria existência.[108]
Ainda que pondere a necessidade de conceituação e melhor compreensão do direito à ampla defesa, não podemos indevidamente remover-lhe o conteúdo, sob pena de se extirpar do demandado a plenitude de defesa, que não encontrará substituto em outra previsão legal. Igualmente, a decisão do Supremo Tribunal finda por permitir que mesmo as cortes inferiores não reconheçam status constitucional ao instituto. É curioso verificar que, como supracitado, “K.”, no romance “O Processo”, desconhece em profundidade a Lei e sofre duramente por isso. No sistema jurídico pátrio, mesmo o mais alto grau de conhecimento jurídico não consegue emprestar justificativa ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal de considerar eventual violação ao direito à ampla defesa como meramente “reflexa.” O absurdo, aqui, é sustentado pela mais alta Corte brasileira, sem maiores consequências.
Ainda que, por se tratar supostamente de matéria “infraconstitucional”, o tema possa ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, imperiosa se faz alteração de tal posicionamento, que conflita com a função que é própria do Supremo Tribunal Federal. Afinal, ou os direitos fundamentais processuais constam efetivamente do texto constitucional e, portanto, devem ser resguardados, ou se reconhece que, no Brasil, não há Estado Democrático de Direito, já que tais direitos são uma de suas características fundamentais.[109]
5 CONCLUSÃO
O tema comporta diversas abordagens, nos mais variados aspectos do processo, seja na perspectiva de pontos específicos, seja na conformação de procedimentos inteiros. Ao fim e ao cabo, o que se deseja, em se tratando do direito à ampla defesa, é que não se permitam violações indevidas. O demandado deverá se conformar ao procedimento escolhido pelo autor, para que possa, nas balizas estabelecidas pelo legislador, atuar de forma mais ou menos ampla. O que não se admite é que o juízo imponha a qualquer das partes uma restrição indevida da ampla defesa, sem qualquer fundamento em lei, tão somente no seu arbítrio. A amplitude do tema merece enfrentamento mais demorado e sobre outras perspectivas, que o breve estudo não pôde contemplar. Ainda assim, podem ser delineadas algumas conclusões para fechamento e síntese.
1. Quando o tema não é literalmente localizado em algum texto constitucional, ele poderá ser depreendido do direito fundamental ao processo justo, que o contém.
2. Ainda que a referência textual explicite a conexão da ampla defesa ao processo penal, este direito fundamental também abarca o processo civil, nas suas mais variadas representações e demandas.
3. O contraditório não pode ser a contraparte do direito de ação, pois quem tem direito de ação também tem direito ao contraditório. Assim, o que se opõe ao direito de ação é o direito de defesa, que é o direito de (re)ação do réu. O contraditório, enquanto princípio que determina a participação cabal e efetiva de ambas as partes na formação da decisão judicial e de todos os momentos processuais, estende-se tanto a réu quanto a autor.
4. O direito de defesa deve ser conjugado com a garantia ao contraditório, de efetiva participação. De nada adianta estender ao réu a ampla defesa, ou seja, a ampla produção probatória e de acesso às questões processuais, se de suas manifestações não resulta possibilidade de efetiva influência no julgamento final da demanda. Assim, ampla defesa e contraditório estão, no processo concebido no âmbito do Estado Democrático de Direito, sempre conjugados e interligados – a violação relevante e injustificada a uma dessas garantias acaba por solapar a outra.
5. O direito fundamental à ampla defesa se revela, num primeiro momento, como uma proteção que se estende ao demandado perante o legislador, pois é ele quem elabora e determina quais são os procedimentos a serem adotados em cada caso. Falhando o legislador em preservar tal direito fundamental, há de se reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo em questão. Só em momento posterior é que a ampla defesa deverá ser atendida pelo magistrado, no exercício de seu ofício judicial, respeitando as regras procedimentais e o o princípio insculpido no art. 5º, LV, da Carta Magna.
6. Revela-se problemático que o Supremo Tribunal Federal raramente se detenha na análise do tema do direito de defesa no âmbito do processo civil, ou só o faça em casos de extrema gravidade. Sonegar o reconhecimento do status constitucional de tal direito fundamento é riscá-lo da Constituição e tisnar o Estado Democrático de Direito brasileiro.
7. Não se pode equiparar processo civil e penal, mas é possível estabelecer uma relação direta de proporção entre o modelo de constatação[110] aplicável, e a necessidade de atendimento ao direito à ampla defesa. Assim, na medida em que se torna mais exigente o modelo em questão, requerendo um maior grau de certeza para realização do julgamento, maior deverá ser a atenção e o cuidado com o direito à defesa. Se o Estado Constitucional se preocupa de fato com a garantia do justo processo ou do devido processo legal, deve haver uma orientação dos magistrados de que a garantia merecerá maior respeito quanto mais grave for a consequência a ser imputada ao demandado, reconhecendo que mesmo em processos de natureza civil pode se estar diante de matéria delicada, com graves repercussões.
8. Qualquer conteúdo, no âmbito da atual proteção constitucional do instituto, que dele se remova, deve necessariamente ser integrada ou ao direito fundamental à prova ou o direito fundamental ao contraditório, evitando o simples desaparecimento injustificado do conteúdo de um direito fundamental.
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[1] São vários e extremamente sedutores os processos em que se verifica a violação do direito de defesa, ou alguma problemática relacionada. O passar dos milênios deixou muitos exemplos e lições: um singelo exemplo é a terrível história do julgamento de Édipo, que presidiu o processo que apurou os fatos da triste realidade, impondo-se uma autocondenação (além do banimento), demonstrando que não é adequado advogar em causa própria, mormente em matéria de defesa, uma vez que as emoções suplantam o racional e as efetivas possibilidades de defesa. De outro lado, o processo de julgamento de Cristo, de Sócrates, de Joana d’Arc, Tiradentes, demonstram situações históricas ignominiosas de violações aberrantes do direito de defesa. Ao último, em particular, suspeita-se que sua condenação (ao contrário dos demais acusados, que receberam a mitigação da pena de morte para a de degredo, exílio) se deu porque, dentre todos os acusados, era o de posição social mais baixa. Destacam-se, em todos esses julgamentos, não só a violação ao direito de defesa, mas também à incrível encenação pública que envolveu tais situações. Os dois primeiros são célebres. Joana d’Arc foi queimada viva em praça pública, em Rouen, onde uma estátua sua possui a seguinte frase: “A ti, Joana, sem rosto nem retrato, a ti que sabias que o túmulo dos heróis é o coração dos vivos.” Tudo conforme FORSTER, Nestor José. Direito de Defesa. São Paulo: LTr, 2007, p. 39/92. A relevância do tema encontra asas no absurdo diálogo inicial de “O Processo”, de Kafka: “K. indaga: — Mas, como posso estar detido? E desta maneira? — Começa outra vez (…). Não respondemos a tais perguntas. — Teriam de responder — retrucou K. — Aqui estão os meus documentos de identidade; mostrem-me vocês os seus, e, especialmente, a ordem de prisão. (…) Comporta-se pior do que uma criança. Que deseja? Porventura acredita que poderá acelerar o curso de seu maldito processo discutindo conosco, que somos apenas guardas, sobre os seus documentos de identidade e a ordem de prisão? Nós somos apenas empregados inferiores que pouco sabemos de documentos, já que nossa missão neste assunto consiste somente em montar guarda junto a você durante dez horas diárias e cobrar nosso soldo por isso. Aí está tudo o que somos; contudo, compreendemos bem que as altas autoridades a cujo serviço estamos, antes de ordenar uma detenção, examinam muito cuidadosamente os motivos da prisão e investigam a conduta do detido. Não pode existir nenhum erro. A autoridade a cujo serviço estamos, e da qual unicamente conheço os graus inferiores, não indaga os delitos dos habitantes, senão que, como o determina a lei, é atraída pelo delito e então somos enviados, os guardas. Assim é a lei, como poderia haver algum erro? — Desconheço essa lei — disse K. — Tanto pior para você — replicou o guarda.” KAFKA, Franz. O Processo. Porto Alegre: L&PM Editores, 2006, p. 7/8.
[2] SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 651.
[3] Como elaborado por PODETTI, Ramiro. Teoria y Tecnica del Proceso Civil Y Trilogia Estructural de la Ciência del Proceso Civil. Buenos Aires: Ediar Soc. Anón. Editores, 1963, p. 338/339 apud MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Reflexões sobre a trilogia estrutural do processo. Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa: UNIPE, ano 2, n. 3, jan./jun/2011, p. 104.
[4] Idem, ibid.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 312. O autor apresenta a mesma divisão tradicional, analisando, em sua obra, também o direito de defesa como um dos elementos fundamentais da ciência processual.
[6] Como ocorre com PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Direito Processual Civil Contemporâneo. Vol. 1. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 95/97. No trecho referido, o autor analisa em conjunto contraditório e ampla defesa, sem qualquer ressalva de diferença. Na mesma linha: MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 31/35. É visto como um só princípio: o de contraditório e ampla defesa, como se fosse algo único. Não se admite que, por se tratar de livros com menor aprofundamento, seja permitida tal lacuna ou até mesmo equívoco. Em análise precisa sobre o tema, a ser esmiuçada mais adiante, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero lograram êxito em oferecer explicação objetiva a respeito do tema, sem que isso induza a erro. Em Curso de Processo Civil. Vol 1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 35/45.
[7] Instituído pelo art. 5º, LIV, da Constituição Federal “de forma absolutamente inovadora na ordem interna.” SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 615.
[8] SICA, Heitor Vitor Mendonça. O Direito de Defesa no Processo Civil Brasileiro – um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, p. 1. A explicação oferecida pelo autor é de que “o forte ranço privatista que a ciência processual carregou até há bem pouco tempo” orientava o direito apenas para a tutela de interesses privados “e não para a atuação do Estado, com intuito de pacificação social e de afirmação do direito objetivo.” Idem, ibid., p. 2.
[9] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil – Pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009, p. 27. A questão é definir o que se entende por cultura. Roger Scruton registra a definição desenvolvida a partir do entendimento de Johann Gottfried Herder no século dezoito, que definiu Kultur como o sangue vivo de um povo, “o fluxo de energia moral que segura a sociedade intacta”. Zivilisation, de outra banda, é o verniz das maneiras, a lei e o know-how. As “nações podem compartilhar uma civilização; mas elas serão sempre distintas na sua cultura, pois a cultura define o que elas são.” Duas correntes partiram dessa teoria. Uma, a romântica (representada por Schelling, Schiller, Fichte, Hegel, Hölderlin), entende que a cultura é possuída por todo e qualquer membro de uma sociedade, moldando “a linguagem, a arte, a religião e a história, e deixa sua marca mesmo no menor dos eventos.” Para Wilhelm von Humboldt, representante da noção clássica, cultura é algo que depende de cultivação e, portanto, não surge da simples associação de um indivíduo a uma nação. Tudo conforme SCRUTON, Roger. An Intelligent Person’s Guide to Modern Culture. Indiana: Saint Augustine’s Press, 2000, p. 1/2. O conceito adotado de cultura aqui é aquele primeiro, de que se trata de uma espécie de identidade compartilhada por um povo, e não no sentido de alta cultura ou etiqueta. Essa é a mesma linha adotada por Mitidiero. Op. cit., p. 27 e seguintes. Acrescente-se, por óbvio, que o reconhecimento do processo enquanto fenômeno cultural naturalmente permite certas alterações. Salienta Dinamarco que “a instabilidade histórica das estruturas e instituições sociais atinge também os princípios constitucionais do processo que assim não podem ser rigorosamente considerados sub specie aeternitatis.” DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 34.
[10] TARUFFO, Michele. Páginas sobre Justicia Civil. Madrid: Marcial Pons, 2009, p. 195.
[11] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: Do Formalismo no Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 261.
[12] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 83.
[13] Idem, ibid.
[14] SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 49/51.
[15] Diz Julián Marías, com acuidade: “A democracia é em nossa época o único sistema de governo que pode ser legítimo. […]. Ora, a democracia tem ‘condições de existência’; tem de ser possível, e uma imensa parcela do mundo atual não a pode possibilitar; não basta ser possível, tem de realizar-se; isto é, tem ‘requisitos’, que se cumprem ou não, e em diversos graus. Se faltam, a democracia é imperfeita, deficiente, pode chegar a ver-se pervertida, a transformar-se num instrumento de opressão, como já viu Aristóteles. Se não se acha inspirada pelo liberalismo, a democracia não é verdadeira; se nela se introduz o espírito totalitário, sua perversão é total. […]. Os países que gozam de uma democracia efetiva têm o dever de cuidar dela, de mantê-la fiel a suas funções próprias, sem transbordar nem degenerar em opressão.” MARÍAS, Julián. Tratado sobre a convivência. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 207-210.
[16] Admitindo-se, de fato, que o conceito de democracia é bastante complexo, devendo ser sintetizado como um direito geral de efetiva participação na vida em sociedade, de maneira tão ampla quanto possível, em cada caso verificado. BARAK, Aharon. The judge in a democracy. New Jersey: Princeton University Press, 2006. p. 23.
[17] KRIELE, Martin. Introduccion a Teoria del Estado. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150, apud MENDES, Gilmar no prefácio à obra de FORSTER, Nestor José. Direito de Defesa. São Paulo: LTr, 2007, p. 18.
[18] Idem, ibid., p. 159-160.
[19] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Julgar e decidir: as invisíveis manhas da decisão nos ‘tribunais académicos’. Julgar, Coimbra: Coimbra Editora, v. 1, p. 14, jan./abr. 2007.
[20] FORSTER, João Paulo Kulczynski. O controle da decisão judicial e da fundamentação atrás da fundamentação. 2011, 215 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2011.
[21] Especialmente porque se viu que a Rule of Law inglesa é um sistema eficaz o suficiente para conceder e garantir tantos direitos fundamentais de ordem processual quanto necessários, independentemente de previsão legal específica.
[22] MENDES, Gilmar no prefácio à obra de FORSTER, Nestor José. Direito de Defesa. São Paulo: LTr, 2007, p. 19.
[23] SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 616.
[24] Artigo 20º. Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva. 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
[25] TROCKER, Nicolò. Processo Civile e Costituzione. Milano: Giuffrè, 1974, p. 378.
[26] MS 24268, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2004, DJ 17/09/2004, p. 53.
[27] Tal qual estabelecido pela noção de direito ao processo justo, que “impõe deveres organizacionais ao Estado na sua função legislativa, judiciária e executiva.” SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 617.
[28] TROCKER, Nicolò. Processo Civile e Costituzione. Milano: Giuffrè, 1974, p. 378.
[29] “Artigo 103. (1) Nos tribunais todos têm direito a uma audiência. (2) Um ato não pode ser punido se o delito foi cometido antes da entrada em vigência de lei específica. (3) Nenhuma pessoa pode ser punida pelo ato mesmo sob as leis gerais penais em diversas ocasiões.” No original: “Artikel 103. (1) Vor Gericht hat jedermann Anspruch auf rechtliches Gehör. (2) Eine Tat kann nur bestraft werden, wenn die Strafbarkeit gesetzlich bestimmt war, bevor die Tat begangen wurde. (3) Niemand darf wegen derselben Tat auf Grund der allgemeinen Strafgesetze mehrmals bestraft werden.”
[30] “Tutti possono agire in giudizio per la tutela dei propri diritti e interessi legittimi. La difesa è diritto inviolabile in ogni stato e grado del procedimento. Sono assicurati ai non abbienti, con appositi istituti, i mezzi per agire e difendersi davanti ad ogni giurisdizione. La legge determina le condizioni e i modi per la riparazione degli errori giudiziari.”
[31] COMOGLIO, Luigi, FERRI, Corrado, TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. I – Il processo ordinário di cognizione. Bologna: Il Mulino, 2006. p. 70.
[32] Idem, ibid., p. 74.
[33] “Art. 111, 2: Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata.”
[34] CIPRIANI, Franco. Il processo civile nello stato democratico – saggi. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2006, p. 24/25.
[35] “Artículo 24. 1. Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión. 2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia.”
[36] PICÓ i JUNOY, Juan. Las Garantías Constitucionales del Proceso. Barcelona: Jose Maria Bosch, 1997, p. 102.
[37] “Art. 18.- Ningún habitante de la Nación puede ser penado sin juicio previo fundado en ley anterior al hecho del proceso, ni juzgado por comisiones especiales, o sacado de los jueces designados por la ley antes del hecho de la causa. Nadie puede ser obligado a declarar contra sí mismo; ni arrestado sino en virtud de orden escrita de autoridad competente. Es inviolable la defensa en juicio de la persona y de los derechos. El domicilio es inviolable, como también la correspondencia epistolar y los papeles privados; y una ley determinará en qué casos y con qué justificativos podrá procederse a su allanamiento y ocupación. Quedan abolidos para siempre la pena de muerte por causas políticas, toda especie de tormento y los azotes. Las cárceles de la Nación serán sanas y limpias, para seguridad y no para castigo de los reos detenidos en ellas, y toda medida que a pretexto de precaución conduzca a mortificarlos más allá de lo que aquélla exija, hará responsable al juez que la autorice.”
[38] CARBONE, Carlos Alberto. Los medios de prueba no previstos en la ley ante el derecho constitucional de ofrecerlos si fueren pertinentes. In: MORELLO, Augusto M. (org.) Prueba. Buenos Aires: La Ley, 2007, p. 118.
[39] O que, reconheça-se, atribui à ampla defesa maior âmbito de atuação do que em matéria civil, como, por exemplo, no caso do direito de ficar em silêncio, inexistente nesta área. BENZIMRA-HAZAN, Jérôme. Droits de la Défense. In: CHAGNOLLAUD, Dominique, DRAGO, Guillaume (orgs.). Dictionnaire des droits fondamentaux. Paris: Dalloz, 2006, p. 240.
[40] SICA, Heitor Vitor Mendonça. O Direito de Defesa no processo civil brasileiro – um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, p. 21/22.
[41] Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente a Segurança, e defesa do Império.
[42] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Da sentença liminar à nulidade de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 101.
[43] “Art. 141 § 25 – É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas. A instrução criminal será contraditória.” A novidade fica por conta do elemento final “a instrução criminal será contraditória”.
[44] Art. 150. (…)§ 15 – A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela Inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção. § 16 – A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu.
[45] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Aráujo. Da sentença liminar à nulidade de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Plenitude, p. 107.
[46] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar Ferreira, NASCIMENTO, Carlos Valder. (orgs.). Tratado de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 152. Muito embora, há de se admitir, que tais garantias são um tanto quanto amplas, e que refere o autor que “não se trata de regular a matéria em si, mas de definir certas situações, comportamentos ou interesses vinculados a determinada matéria. Quando essa regulamentação normativa é tal que se pode saber, com precisão, qual a conduta positiva ou negativa a seguir, relativamente ao interesse descrito na norma, é possível afirmar-se que esta é completa e juridicamente dotada de plena eficácia, embora possa não ser socialmente eficaz. Isso se reconhece pela própria linguagem do texto, porque a norma de eficácia plena dispõe peremptoriamente sobre os interesses regulados.” Idem, ibid.
[47] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: Do Formalismo no Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 263/264.
[48] Também se pode diferenciar estes do direito fundamental à prova, que impõe ao legislador e ao órgão judicial o resguardo às seguintes premissas: “(i) existência de relação teleológica entre prova e verdade; (ii) admissibilidade da prova e dos meios de prova; (iii) distribuição adequada do ônus da prova; (iv) momento de produção da prova; e (v) valoração da prova e formação do convencimento judicial.” SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 656. Reduzir o direito à prova como uma singela característica do contraditório, do direito de ação ou do direito de defesa é suprimir-lhe autonomia e reduzir o âmbito de proteção efetiva das partes. O contraditório diz respeito à manifestação sobre a prova produzida pela parte contrária, e se associa ao direito fundamental à prova quando existe a necessidade de produção de prova em sentido contrário, ou com o direito de defesa, quando esta prova é produzida na contestação, por exemplo. Configura a “atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos fatos controvertidos”, que tem como consequência direta pelo não cumprimento do encargo o julgamento desfavorável em relação à parte onerada. SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o Novo Processo Civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 56. Mas não se confunde com nenhum desses outros direitos fundamentais, possuindo características próprias, o que lhe permite amplo grau de operatividade, reduzindo o risco de eventual supressão de seu conteúdo pelo legislador ou magistrado.
[49] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. Vol 1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 37.
[50] SOUSA, Miguel Teixeira. Estudos sobre o Novo Processo Civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 47.
[51] SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 648.
[52] “Não há processo sem contraditório.” Idem, ibid., p. 647.
[53] Idem, ibid., p. 646.
[54] “Por essa razão é perfeitamente legítimo na nossa ordem jurídica o emprego de contraditório diferido e de contraditório eventual na organização do perfil procedimental do processo.” Idem, ibid., p. 650.
[55] MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 207.
[56] MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 208.
[57] “O processo é um ‘lugar’ no qual a dialética ocupa largos espaços e constitui um importante fator dinâmico. Em qualquer caso, verdadeiramente, a decisão judiciária pode ser entendida como o resultado final de uma complexa interação dialética nas quais participam diversos fatores. As principais dimensões dialéticas do processo e da decisão são duas. A primeira diz respeito à dialética das relações entre as partes, que os processualistas hoje chamam de ‘contraditório”. TARUFFO, Michele. Il controlo di razionalità della decisione fra logica, retorica e dialetica. REPRO, São Paulo, v. 32, n. 143, p. 73, jan. 2007.
[58] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de Processo Civil. Vol. I. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 71.
[59] CADIET, Loïc. (Org.). Dictionnaire de la justice. Paris: Presses Universitaires de France, 2004. p. 271.
[60] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 4.
[61] “O procedimento de cognição plena e exauriente é o ordinário ou sumaríssimo (este último caracterizado apenas pela abreviação do iter procedimental, em nada interferindo com a cognição).” WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2000, p. 115. Ovídio Baptista promove extensa crítica ao que chama de “ímpeto ordinarizante”, que contaminou todo o sistema jurídico pátrio. No seu entendimento, a promoção da ampla defesa ao status constitucional reforçou a opção pelo valor segurança, em detrimento da celeridade nas demandas. Há três tipos de contraditório: prévio (por assim dizer, a regra), diferido e eventual. Nos casos em que é diferido, o juiz “é autorizado a julgar desde logo o mérito da causa, porém sob a forma de um julgamento provisório, cuja duração estará temporalmente limitada pela futura sentença de mérito.” Assim o é nos procedimentos “que contenham liminares”, pois correspondem a princípio que se opõe ao contraditório prévio. A terceira forma é o eventual, “que elimina o contraditório do interior da demanda, transferindo-o seja para uma ação incidental, como nos embargos de devedor, seja para uma ação independente, como nas possessórias e nas ações cambiárias.” Tanto o contraditório diferido quanto o eventual quebram a ordinariedade do procedimento e representam a exceção. “Entretanto, o chamado contraditório eventual distingue-se das duas formas anteriores em ponto relevante. Enquanto no chamado contraditório prévio e no contraditório diferido, as posições das partes não se alteram, em virtude da aplicação do princípio – o autor continua autor e o réu, como réu, haverá de contestar a ação, no eventual aquele que figurara inicialmente como autor irá tornar-se demandado, na ação plenária subsequente.” Assinala que “a regra é – quem obtém a vantagem no sumário fica dispensado de propor o plenário.” No entanto, demonstra o descontentamento com a conversão de demandas que eram tradicionalmente sumárias em plenárias, sendo que “devemos temer a calamidade de ver nosso processo civil interpretado “conforme à Constituição”, com a consequente eliminação das ações que ainda nos restam nas quais a defesa não seja ‘ampla’.” Conclui, enfim, que “o que se oculta sob a ideologia da ampla defesa – um dos pilares a sustentar as demandas plenárias – além do fator segurança que inspirou a formação do direito moderno, é a herança iluminista que o sistema ainda conserva muito viva.” Tudo conforme BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Processo e Ideologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 151/164. Picardi, a esse respeito, aponta que a máxima audiatur et altera pars, que rege, em grande medida, o procedimento ordinário, remonta a Sêneca e a tempos ainda pregressos, o que parece apontar que não se trata de uma inovação absoluta iluminista a compreensão de uma demanda plenária e com o respeito à oitiva da outra parte. PICARDI, Nicola. Jurisdição e Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 130/131. Apenas registre-se que a via da antecipação da tutela apresenta-se como possível forma de se permitir uma aproximação entre celeridade e a cognição plena e exauriente, na terminologia de Kazuo Watanabe, ou plenária, conforme Ovídio Baptista.
[62] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. Vol 1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 44.
[63] “A lei não lhe impõe nenhuma obrigação de que ele [o réu] se defenda.” BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Aráujo. Curso de Processo Civil. Vol. I. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 315.
[64] DALL’ALBA, Felipe Camilo. A ampla defesa vista sob um olhar constitucional processual. In Temas atuais de Direito Público. Curitiba: UTFPR, 2007, p. 263.
[65] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto, MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. Vol 1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 44.
[66] HOFFMAN, Paulo A atuação probatória do réu revel, sob o aspecto constitucional da ampla defesa. In SILVA MARTINS, Ives Gandra, JOBIM, Eduardo. O Processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 385.
[67] MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido Processo Legal e Proteção de Direitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 207/208.
[68] COMOGLIO, Luigi Paolo. La Garanzia Costitutizionale ed il Processo Civile. Padova: CEDAM, 1970, p. 216/217.
[69] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. Vol. 1. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 312.
[70] SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 651.
[71] Em sentido contrário: DALL’ALBA, Felipe Camilo. A ampla defesa vista sob um olhar constitucional processual. In Temas atuais de Direito Público. Curitiba: UTFPR, 2007, p. 264.
[72] SARLET, Ingo Wolfgang, MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 651.
[73] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 136.
[74] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Aráujo. Curso de Processo Civil. Vol. I. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 223 e seguintes.
[75] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 136/137.
[76] CIPRIANI, Franco. Il processo civile nello stato democratico – saggi. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2006, p. 25.
[77] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Justificação teórica dos procedimentos especiais. In Ensaios de Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 39.
[78] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Abuso do Procedimento Especial. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 37, vol. 204, fev. 2012, p. 52.
[79] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
[80] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Abuso do Procedimento Especial. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 37, vol. 204, fev. 2012, p. 60/63.
[81] MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 804.
[82] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Abuso do Procedimento Especial. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 37, vol. 204, fev. 2012, p. 65 e seguintes.
[83] “CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO. 1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, como isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual. 2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa. Precedentes. 3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular. 4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio. 5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa. 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1202514/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 30/06/2011).
[84] MITIDIERO, MARINONI, CPC COMENTADO.
[85] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 388.
[86] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: RT, 2010, p. 161.
[87] “Isso quer dizer, desde logo, que o direito de defesa é o direito de efetivamente poder negar a tutela do direito, o qual apenas poderá ser limitado em hipóteses excepcionais, racionalmente justificas pela necessidade de efetiva tutela jurisdicional do direito.” MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 312.
[88] Vide art. 286 do Projeto: “A petição inicial da medida requerida em caráter antecedente indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado de lesão.”
[89] BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 41.
[90] Idem, ibid., p. 269/270.
[91] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. In: Do Formalismo no Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 182.
[92] BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 182.
[93] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 372.
[94] Tema de relevância é lembrado por Marinoni, em relação à possibilidade da investigação de falsidade no mandado de segurança. Sua conclusão é de admissão de tal evento, mesmo diante da crítica de eventual alargamento ou desnaturação do procedimento. Pontua o autor: “Vale dizer: o procedimento continuará com a sua natureza – que é documental – intocada. Por outro lado, a questão do prejuízo com o alargamento do procedimento implica a consideração da eterna problemática posta pelo binômio “celeridade-segurança”. Nesse caso, seria dada prioridade ao valor segurança em detrimento do valor celeridade, apenas porque o procedimento do mandado de segurança permite a concessão de liminar. Demais, as provas requeridas por abuso poderiam ter resposta na imposição de pena por litigância de má-fé.” MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 375.
[95] O que não é diferente com o âmbito do direito processual, especialmente dada a multiplicação de litígios hoje existente, envolvendo pessoas que antes simplesmente não chegavam ao Judiciário. MORELLO, Augusto M. El Processo civil moderno. La Plata: Libreria Editora Platense, 2001, p. 164.
[96] STOCO, Rui. Abuso do Direito e Má-Fé Processual. São Paulo: RT, 2002, p. 58.
[97] OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 127.
[98] MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 270.
[99] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 365. “Quando a defesa do réu se mostrar possivelmente infundada, é possível supor que o réu está requerendo prova, e assim abusando do seu direito de defesa, apenas para retardar a realização do direito do autor, protelando-a, o que não pode ser permitido quando se deseja construir um processo que realmente concretize o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, que é necessariamente tempestiva.” MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 270.
[100] MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. 2ª ed. São Paulo: RT, p. 67/68.
[101] Idem, ibid., p. 71.
[102] MITIDIERO, Daniel. Processo Civil e Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 54. Defende-se, portanto, que se deve admitir, “por exemplo, embargos infringentes do julgamento desse peculiar agravo.” Idem, ibid., p. 53.
[103] MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008, p. 278.
[104] A decisão ‘padrão’ não destoa muito da seguinte ementa: “3. A alegação de ofensa aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se ocorrente, seria indireta ou reflexa.” BRASIL. STF; AI-AgR 853.878; DF; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; Julg. 24/04/2012; DJE 16/05/2012; Pág. 25.
[105] “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRECEITO INSCRITO NO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da plenitude de defesa e da motivação dos atos decisórios, por dependerem de exame prévio e necessário da legislação comum, podem configurar, quando muito , situações caracterizadoras de ofensa meramente reflexa ao texto da constituição, o que não basta , só por si, para viabilizar o acesso à via recursal extraordinária. Precedentes.” BRASIL. STF, RE-AgR 551.807; RJ; Segunda Turma; Rel. Min. Celso de Mello; Julg. 25/05/2010; DJE 01/07/2010; p. 64.
[106] O problema também é recorrente em se tratando do direito fundamental à motivação das decisões judiciais, insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal. A respeito do tema, já dissemos que “a postura do Supremo Tribunal Federal sobre a motivação, garantia fundamental dos jurisdicionados, é de esquecimento quase total, revertendo em sonegação absoluta dela, mormente em matéria cível. Verifica-se tal postura na análise de julgados cuja conclusão é que, se houve ofensa ao artigo 93, IX, da Carta Maior, ocorreu em forma “meramente reflexa”, não sendo a via do recurso extraordinário o instrumento adequado para sanar a questão, pois necessário o enfrentamento de legislação infraconstitucional. Na seara criminal, a garantia é examinada com cuidado diferenciado, por tratar-se de bem de valor maior: a liberdade de ir e vir de cada indivíduo.” FORSTER, João Paulo Kulczynski. O controle da decisão judicial e da fundamentação atrás da fundamentação. 2011, 215 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2011, p. 161.
[107] O Supremo bem registrou que poderia oferecer cobertura ao direito fundamental em uma “situação extrema”: “6. Ausente situação extrema, de inequívoca violação constitucional, o quadro apresentado à Corte é de mera ofensa indireta ou reflexa. Agravo regimental conhecido, mas ao qual se nega provimento.” (STF; RE-AgR 554.410-9; DF; Segunda Turma; Rel. Min. Joaquim Barbosa; Julg. 27/05/2008; DJE 01/08/2008; Pág. 94).
[108] É precisamente o oposto do que preconiza Canotilho: “a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.” CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1149.
[109] Conforme já se registrou, esta é uma das notas que diferencia o Estado Democrático do Estado Policial. MENDES, Gilmar no prefácio à obra de FORSTER, Nestor José. Direito de Defesa. São Paulo: LTr, 2007, p. 19.
[110] KNIJNIK, Danilo. A Prova nos Juízos Cível, Penal e Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 39/43. São os modelos, em apertada síntese: a) preponderância de provas (processo civil). Aplicável este sistema dentro do processo civil uma vez que as questões de põe com maior facilidade, não existindo a necessidade de evidence beyond a reasonable doubt, mas tão somente de preponderância de provas em favor de uma das partes; b) clara e convincente (processo civil especial). Em determinados processos que versem sobre direitos não-patrimoniais mas versem sobre direitos de maior importância (como pátrio poder) ou que até possuam certa dimensão penal (improbidade administrativa), é necessário um modelo de constatação onde haja mais do que uma simples preponderância de provas, o elemento dos autos deve ser claro e convincente, não necessitando estar acima da dúvida razoável, bastando ser altamente provável; c) acima da dúvida (processo penal). A dúvida aqui evidenciada não é, claramente, qualquer tipo de dúvida, mas uma dúvida “justa, lógica, substancial ou real”. Ultrapassada essa dúvida, a condenação é iminente, e, por se tratar de um bem de grande valia, a liberdade, este modelo exige uma certeza probatória muito maior que os anteriores; d) razoável excludente de qualquer hipótese de inocência ou prova incompatível com qualquer hipótese que não a da acusação (processo penal indiciário). Neste caso, a prova predominante é baseada em indícios, ou seja, os elementos que vão convencer o julgador devem ser extremamente poderosos para que ocorra a efetiva condenação, do contrário, é necessário absolver o réu.